ANITYA: O CONCEITO DA IMPERMANÊNCIA
A sabedoria popular ensina que tudo na vida é passageiro. O budismo, através do conceito da impermanência, anitya, mostra como utilizar esse conhecimento para viver melhor
Texto • Redação
Uma antiga lenda oriental conta a história de um rei sábio e bom que se encontrava no fim da vida. Certo dia, pressentindo a chegada da morte, chamou seu único filho, que o sucederia no trono, tirou um anel do dedo e lhe disse: “Meu filho, este anel foi muito importante para mim e agora será seu. Quando fores rei, leva-o sempre contigo. Nele há uma inscrição. Quando estiveres vivendo situações extremas, seja de glória ou de dor, tira-o e lê o que há nele”.
Logo, o rei morreu e seu filho passou a reinar em seu lugar, sempre usando o anel que o pai lhe deixara. Passado algum tempo, surgiram conflitos com um reino vizinho, que acabaram culminando numa terrível guerra. O jovem rei, à frente do seu exército, partiu para enfrentar o inimigo. No auge da batalha, seus companheiros lutavam bravamente, mas muitos acabaram mortos ou feridos. No meio de tanta tristeza, o jovem se lembrou do anel e leu sua inscrição: “isto também passará.”
Continuando a luta, o rei perdeu algumas batalhas, ganhou outras e, ao final, saiu vitorioso. Retornou então ao seu reino e, coberto de glórias, foi recebido e aclamado pelo seu povo. Nesse momento, ele se lembrou de seu velho e sábio pai. Tirou o anel novamente e leu: “isto também passará.”
Esse pequeno conto reflete um dos conceitos mais importantes do budismo: a impermanência (anitya). Sua lição, simples e direta, é que tudo na vida é passageiro. Tanto as alegrias como as tristezas vêm e vão. A derrota de hoje se transforma na glória de amanhã. Ou, como diria a sabedoria popular: “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe”.
Para Buda, o conceito de impermanência é nada menos do que a verdade básica da existência. Sem ele, a vida não existiria: nada nasceria, cresceria ou morreria. A criança de hoje nunca se transformaria no adulto de amanhã. Os regimes políticos opressivos nunca sairiam do poder. Os sentimentos ruins que você experimenta ficariam guardados para sempre em seu coração.
“Tudo é impermanente. Tudo que está sujeito ao surgimento está sujeito à cessação”, ensina Buda, explicando por que a impermanência também tem um lado do qual costumamos não gostar. Ela traz a vida e a renova muitas e muitas vezes, mas também é responsável pela morte, pela velhice, pela doença, pela separação. Anitya é, na verdade, tudo em que podemos confiar.
Para fazer com que seus discípulos compreendessem esse conceito, Buda deu o exemplo de um cachorro que, ao ser atingido por uma pedra, ficou zangado com a pedra. Se você consegue perceber que a reação do cão foi descabida, certamente, também é capaz de entender por que não faz sentido culpar a impermanência por nossos sofrimentos. Segundo Buda, “não é anitya que nos faz sofrer, mas sim o desejo de que as coisas sejam permanentes, quando na verdade não são”.
Entender e, acima de tudo, aceitar que tudo na vida é passageiro é o que nos proporciona equilíbrio, paz de espírito e confiança para seguir em frente. Em muitos momentos, a impermanência é um verdadeiro alívio, pois nos dá a certeza de que todo sofrimento um dia chega ao fim – graças à sua existência, podemos estar melhor amanhã do que estamos hoje. Em outras situações, ela é fonte de sabedoria e temperança, pois nos lembra que um momento feliz também não dura para sempre – e é exatamente esse entendimento que nos permite romper o véu da ilusão e enxergar a existência como ela realmente é.
Dia a dia, podemos aproveitar e experimentar as lições de anitya. Lembre-se de que você também tem um anel como o do jovem rei e que deve olhar para ele com atenção toda vez em que estiver vivendo um momento de extrema tristeza ou felicidade. Quando se sentir derrotado, machucado, sozinho, enganado ou perdido, será mais fácil manter a esperança, pois o anel lhe dará a certeza de que isso passará. Mas não deixe de olhar para sua preciosa jóia também quando se sentir poderoso, vitorioso, amado, seguro ou invencível: nesses momentos é importante lembrar que, mais cedo ou mais tarde, esses sentimentos também passarão.