Entrevista com o Babalorixá Wilian Brito, o Bruxo Malagueta: fé, ancestralidade e empoderamento

O Babalorixá Wilian Brito, mais conhecido como Bruxo Malagueta, é uma figura de grande destaque nas redes sociais. Sacerdote respeitado, ele criou uma igreja dedicada à Pombagira com foco no empoderamento feminino — uma iniciativa inédita no país.
No dia 25 de julho de 2025, conversamos com ele sobre sua trajetória pessoal, religiosa e as batalhas que enfrenta em nome da fé e da liberdade de expressão espiritual. Acompanhe:
Você sempre quis se tornar um bruxo, um sacerdote religioso? Como tudo começou?
Malagueta:
Na verdade, eu não escolhi ser bruxo — nasci nesse caminho. Minha mãe é bruxa, então foi algo natural. Desde os meus seis anos, comecei a demonstrar sinais de mediunidade e a praticar pequenos feitiços. Graças a Olódùmarè (Deus Supremo), minha mãe está viva, muito viva, e meu pai também. Inclusive, há um vídeo em que meus familiares contam um pouco da minha história desde pequeno.
A avó do meu pai era Mãe de Santo, então acredito que carrego essa ancestralidade dos dois lados da família. Comecei a incorporar com nove anos e, logo depois, passei a frequentar uma casa de religião. Foi ali que minha jornada espiritual se firmou.
Sua trajetória religiosa enfrentou desafios?
Malagueta:
Sem dúvida. Um dos maiores desafios foi ser um homem homossexual dentro da religião. Até os 16 anos, eu ainda não havia me assumido, mas já enfrentava resistência. Minha Pombagira queria se manifestar, estar presente, tomar a dianteira na minha vida espiritual — e o sacerdote do primeiro terreiro que frequentei não aceitava homens trabalhando com Pombagira.
Isso me afetou profundamente. Quando minha Pombagira passou a reinar em minha vida, tudo mudou: prosperei, ganhei dinheiro, tive sucesso. Mas, por conta das limitações daquele sacerdote, ela passou a vir somente quando eu não estava no terreiro, pois ele só permitia que eu trabalhasse com Exu homem.
Você enfrentou preconceito por incorporar uma entidade feminina sendo homem. Mas e quanto à intolerância religiosa?
Malagueta:
Sim, enfrento preconceito até hoje, principalmente dentro da própria religião. Muitas vezes, ele vem de irmãos de fé que não aceitam meu jeito de me expressar — por usar maquiagem, perucas, unhas compridas. A maior parte desse preconceito vem de praticantes do Candomblé, infelizmente.
Na Quimbanda, vejo mais aceitação. Mas alguns “donos da verdade” dentro das religiões de matriz africana acreditam que dominam o saber e acabam julgando. Por eu ser um sacerdote completo, que entende profundamente de Òrìṣà — tanto no Batuque quanto no Candomblé e no Culto Tradicional Yorùbá (o Ẹ̀sìn Òrìṣà Ìbílẹ̀, no qual estou há mais de cinco anos) — muitos se incomodam.
Não sinto necessidade de provar meu conhecimento. Quem precisa se afirmar o tempo todo está se diminuindo. Mas sofro muito preconceito por minha aparência. Ainda assim, meu sucesso fala por si. Tenho uma casa avaliada em mais de R$ 4,2 milhões, duas Porsches, duas BMWs, uma caminhonete… Não preciso discutir com quem só tem opinião e nenhuma realização.
Você pretende expandir seus terreiros para outros estados do Brasil? Quais são seus planos para o futuro?
Malagueta:
Não tenho intenção de abrir casas em outras cidades, mas desejo formar filhos de santo que representem nossa linhagem em diferentes lugares. Na verdade, já tenho alguns, e quero que eles sigam nesse caminho, representando bem nossa tradição.
Você criou uma Igreja da Pombagira. Como surgiu essa ideia? Houve um chamado espiritual?
Malagueta:
Sim, foi um pedido espiritual direto da minha Pombagira. Ela queria um espaço só dela. E teve um fator prático também: a casa anterior ficou debaixo d’água por conta das enchentes na cidade. Unimos o útil ao agradável e criamos esse novo espaço.
A igreja é aberta ao público em geral? Pessoas de fora das religiões afro-brasileiras podem participar?
Malagueta:
Sim, a igreja é aberta ao público, embora ainda esteja em construção. Em breve estará totalmente pronta. O espaço contempla a Quimbanda, o culto aos Òrìṣà, a Umbanda e outras expressões de fé.
Além da Quimbanda, você atua em outras tradições, certo?
Malagueta:
Sim. Muitas pessoas rotulam qualquer sacerdote que trabalha com Exu e Pombagira como sendo “só da Quimbanda”, mas isso é acaba sendo comum. O catiço pertence, sim, à Quimbanda, mas eu sou Babalorixá do Batuque, do Candomblé e Oba Òrìṣà dentro do Culto Tradicional Yorùbá. Trabalho com diversos sistemas religiosos, mas a atenção das pessoas se volta mais à Quimbanda.
Com qual tradição você mais se identifica? A Quimbanda?
Malagueta:
Na verdade, me identifico muito mais com o Ẹ̀sìn Òrìṣà Ìbílẹ̀, especialmente com o culto ao Òrìṣà Èṣù. Foi nesse caminho que recebi minha coroa, meu título de sacerdote, após cinco anos de preparação com meu bàbáláwo. Esse processo foi intenso e muito gratificante para mim.
Fora da vida religiosa, como é seu dia a dia? O que você gosta de fazer?
Malagueta:
Sou uma pessoa tranquila, apesar da imagem que passo nas redes sociais. Tenho 32 anos, gosto de acordar sem pressa, tomar meu café com calma. A espiritualidade está presente em cada canto da minha casa — você encontra representações de Èṣù em todos os lugares.
Gosto de estar envolvido com tudo. Mesmo com a vida próspera que levo, participo ativamente das atividades do dia a dia: escolher materiais de reforma, cuidar dos detalhes da casa, acompanhar os funcionários. Sou muito presente, gosto da rotina e, principalmente, do trabalho.
Sou apaixonado por artefatos religiosos, principalmente ligados à cultura africana. Minha casa é cheia de espadas, máscaras, peças antigas. Tenho uma alma meio velha, gosto de antiguidade, de história. Ao mesmo tempo, sou brincalhão, gosto de rir, fazer piadas com os amigos. Esse é meu equilíbrio.
O sacerdote Wilian Brito publicou em seu canal no YouTube um vídeo que apresenta o sítio onde está localizada a Igreja da Pombagira, com foco no acolhimento de mulheres e no combate ao preconceito religioso.
O local religioso se tornou conhecido por sua impressionante estátua da pombagira, com cerca de 9 metros de altura, instalada em frente ao espaço. Wilian tem como propósito mostrar que Pombagira é uma ancestralidade feminina que acolhe, orienta e contribui para o empoderamento das mulheres.