Música cristã: instrumento de fé

Texto • Lívia Filadelfo / Triada.com.br
O poder da música como expressão da fé em Deus aparece em várias passagens da Bíblia. Mas muito antes da concepção da doutrina cristã, a canção já era utilizada nos rituais sagrados das mais diversas religiões do planeta. Em tribos selvagens, por exemplo, a música fazia parte de cerimônias mágicas e, por isso, era cuidadosamente transmitida de geração para geração pelos feiticeiros do grupo. Os sons musicais estavam ligados à magia, à religiosidade, ao rito propiciador de espíritos, aos mortos e aos trabalhos coletivos.
Na Grécia Antiga, a arte musical era considerada um donativo especial às divindades. Cantadores ambulantes, acompanhados pela lira de quatro cordas, louvavam a memória dos deuses, heróis e feitos nacionais. Posteriormente, foram fixadas melodias-tipo, chamadas nomos, que não podiam ser alteradas e às quais eram atribuídas funções mágicas, morais ou ritualísticas. O nomo era considerado uma forma de comunicação divina e só podia ser executado por grandes artistas.

A música como instrumento da fé também estava presente entre os antigos hebreus: nas canções populares do povo judeu, nos combates, nas festas do Monte Sinai, nas peregrinações pelo deserto. No início, a Igreja Católica primitiva usava os salmos e as melodias dos hebreus, mas, com o tempo, passou a utilizar os hinos compostos por seus próprios membros. Eram canções de conforto e alegria, para serem cantadas durante períodos de martírio. Muitos condenados à morte cantavam hinos de louvor a Deus momentos antes de sua execução.

Orações cantadas
Segundo a Bíblia, a música é uma criação de Deus e, por isso, tem lugar significativo no louvor que os homens prestam à divindade. Em Efésios 5:18-19 está escrito: “falai uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em Vosso coração, sempre e por tudo dando graças a Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”.
“Essa é a grande simbologia da música na Igreja cristã: fazer com que as pessoas entrem em contato com Deus através da melodia”, explica o professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), Pedro Lima Vasconcelos.
A inauguração do Templo de Salomão, no século 9 a.C., é considerada o primeiro grande evento religioso que utilizou a música. Conta-se que, nesse dia, uma grande orquestra e um coro foram convocados. Eram cerca de cento e vinte sacerdotes tocando trombetas e címbalos em louvor a Deus.
Nessa época, hinos e cânticos eram inspirados nos salmos da Bíblia em que solo e coro, ou coros alternados, dialogavam nas orações musicadas. Aos poucos, formaram-se artistas profissionais que aperfeiçoaram o canto das melodias. A princípio, dividiram o texto em sílabas, atribuindo apenas um som a cada uma delas (canto silábico). Mais tarde, por influência da música oriental, as sílabas já reuniam vários sons. O Livro dos Salmos é considerado o hinário da Bíblia, com um cântico para cada necessidade da alma. Davi e Salomão foram os principais compositores dessas obras. Apenas Salomão compôs mais de mil salmos.

Muitos cantos, uma só voz
Todos os grandes centros da Igreja – Bizâncio, Roma, Antioquia e Jerusalém – foram também grandes centros da música, cada qual com sua liturgia musical particular. No século 4, em Milão, Santo Ambrósio criou um estilo que tomou seu nome, ambrosiano. Na mesma época, Santo Hilário compunha na França uma música de características diferentes, o estilo galicano. Três séculos depois, na Espanha, Santo Isidoro criou o estilo moçárabe. Contudo, foi em Roma que se estabeleceu os padrões para o canto litúrgico da Igreja Católica. Quem os organizou foi o Papa Gregório Magno, o que explica o nome de canto gregoriano. Esse gênero musical caracterizava-se por uma melodia linear e plana – o cantus planus.
“No Renascimento, houve a introdução de outros instrumentos e da polifonia (quando várias vozes cantam com palavras ou melodias diferentes) na liturgia. A Igreja foi contra e queria a manutenção do canto gregoriano, porque é uníssono e as pessoas conseguem entender o que está sendo cantado. Na polifonia, não se entende muito bem a letra da música e as pessoas poderiam se distrair com essa variedade de sons”, afirma Vasconcelos. Hoje, principalmente após a Renovação Carismática Católica, o canto gregoriano foi extinto da liturgia da grande maioria das Igrejas e tem-se a popularização e simplificação das músicas e melodias.

Principais estilos musicais das igrejas cristãs  

Música gregoriana
Foi desenvolvida por Gregório, no início da era cristã. Tipo mais puro de música sacra, só era cantada por homens em uníssono. Atualmente é pouco utilizada nas igrejas.
 
Moteto polifônico
É composto a partir de textos gregorianos que recebem um segundo texto, independente e silábico, cada vogal corresponde a uma nota, seja essa repetição ou não da antecedente. A necessidade de cantar cada vogal em um novo som impulsiona a notação rítmica.
 
Coral alemão
Foi desenvolvido por Lutero, após a Reforma, com o objetivo de popularizar os hinos cristãos. É um tipo de música bastante simples e solene que contém estrofes e muitas vezes são traduzidas do latim para o alemão.
 
Salmos metrificados
Semelhantes aos corais, surgiram da intenção de Calvino em fazer com que os crentes cantassem os salmos da Bíblia em poesia métrica. O livro que contém os salmos traduzidos para o vernáculo em versões rimadas, metrificadas e musicadas para o uso congregacional é chamado saltério. O mais importante e influente é o saltério francês, de 1562.

Música anglicana
Criado na Inglaterra, esse estilo assemelha-se aos corais alemães e aos Salmos de Calvino, mas é menos sóbrio e polifônico e mais harmônico. É o tipo predominante atualmente nas igrejas cristãs dos países que foram evangelizados pelos ingleses e norte-americanos.
 
Música religiosa russa
É caracterizada por baixos muito graves, muitas vezes publicados uma oitava acima, e por desenhos rítmicos típicos. É, geralmente, mais usada pelos coros do que pela congregação.
 
Canção evangelística
De fácil apreensão, assemelha-se à música popular não religiosa. A letra é emotiva, de apelo ou exortação.