Revelações dos Evangelhos Apócrifos
Envoltos em aura de mistério, os textos apócrifos apresentam uma visão alternativa da história de Jesus e, mais importante, ajudam a entender os primeiros dias do cristianismo.
Texto • Daniel John Furuno
Nunca se ouviu falar tanto no termo “apócrifo” (do grego apókryphos, que significa “algo que foi escondido”) como nos últimos anos. Utilizado para se referir aos textos que ficaram de fora da literatura oficial da Igreja, o adjetivo tem caminhado lado a lado com a polêmica, uma vez que os evangelhos apócrifos têm servido como fundamento para novas e controversas teorias que desafiam e questionam certos aspectos do cristianismo.
Mas, para compreender o real significado e importância dos textos apócrifos, é preciso antes entender como se deu a formação da literatura canônica, ou seja, da Bíblia Cristã como nós a conhecemos.
Durante o século 1, foi estabelecido o cânon judaico, a Bíblia Hebraica, que mais tarde seria “incorporada” pela Bíblia Cristã sob o nome de Antigo Testamento. Os livros canônicos do Novo Testamento só foram definidos por volta do final do século 2 e início do século 3. “Naquela época, o cristianismo era extremamente plural. Jesus era judeu e, para muitos, o cristianismo era uma espécie de movimento de renovação do Judaísmo. Para outros, era uma religião autônoma, independente. E, mesmo dentro dessas duas correntes, havia uma série de outras vertentes”, explica Paulo Roberto Garcia, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo.
A partir das tradições orais de cada uma dessas vertentes, mais de uma centena de livros a respeito da vida e dos ensinamentos de Jesus foram escritos; posteriormente, apenas alguns foram escolhidos oficialmente pela Igreja e apontados como “inspirados por Deus”. “Conforme o cristianismo foi ganhando um corpo oficial, foram se estabelecendo algumas normas. Parte dos textos apócrifos contrariava essas normas e, portanto, eles foram banidos e considerados heréticos”, diz o professor Paulo Roberto.
Os evangelhos perdidos
Por conta desse banimento e para escapar da destruição, alguns textos foram escondidos. Isso é o que provavelmente aconteceu com as escrituras encontradas na cidade egípcia de Nag Hammadi, em meados do século 20. Os tesouros históricos revelados na ocasião incluem, entre outros, os Evangelhos de Tomé e de Maria Madalena, até então desconhecidos.
Apesar dessa atmosfera de mistério e segredo envolvendo os apócrifos, nem todos apresentam ideias subversivas. “Costumo dividir os textos apócrifos em três classificações: os aberrantes, os complementares e os alternativos”, afirma o frei Jacir de Freitas Faria, professor de exegese bíblica e hermenêutica de textos antigos do Instituto São Tomás de Aquino, de Minas Gerais, e autor de livros sobre os apócrifos.
“Os aberrantes são textos que narram histórias fantasiosas e exageradas que não poderiam ser verdadeiras, como, por exemplo, as que retratam Jesus como uma criança cruel, que usa seus poderes divinos para punir com a morte uma outra criança que esbarra nele. Os complementares são aqueles que, apesar de não fazerem parte do cânon cristão, reforçam e clareiam algumas de suas passagens. Por exemplo: só sabemos os nomes dos pais de Maria, mãe de Jesus, através de textos apócrifos. Mais um: o trecho do Credo que diz que Jesus ‘desceu à mansão dos mortos’ é explicado por um texto apócrifo chamado A descida de Cristo aos infernos. Finalmente, os alternativos são aqueles que promovem um embate com a visão de fé hegemônica. Neste grupo, estão incluídos, entre outros, os evangelhos de Tomé, Maria Madalena e de Filipe”, aponta o frei Jacir.
Muito mais do que apresentar uma nova versão de uma das histórias mais conhecidas da humanidade, a importância dos textos apócrifos está ligada ao entendimento do culto que se seguiu a ela. “Os apócrifos não nos ajudam a entender o que se passou na época de Jesus, mas sim a entender o início da formação do Cristianismo. Estudar os evangelhos canônicos é como escutar alguém falando ao telefone – através de suas respostas, você até consegue reconstruir a conversa toda e imaginar o que a pessoa do outro lado da linha está dizendo. Somente com os textos apócrifos é que você tem acesso às falas exatas dessa outra pessoa”, compara o professor Paulo Roberto.
As revelações dos apócrifos
• Dentre mais de uma centena de textos apócrifos, os que mais têm ganhado destaque são os classificados pelo frei Jacir de Freitas Faria como “alternativos”, em especial os de autoria atribuída a Maria Madalena, Filipe e Tomé.
• Nos Evangelhos de Maria Madalena e Filipe, chamam a atenção inúmeras afirmações de que Maria Madalena seria a apóstola preferida de Jesus Cristo. No texto a seguir, Filipe descreve a proximidade de Jesus e Madalena: “Havia três que sempre caminhavam com o Senhor: sua mãe, Maria, sua irmã e Madalena, que era chamada sua companheira.”
• O Evangelho de Maria Madalena e apresenta idéias que contrariam posições oficiais da Igreja, como, por exemplo, a inexistência do pecado, como aponta o trecho: “O Mestre diz: ‘não há pecado. Sois vós que fazeis existir o pecado quando agis conforme os hábitos de vossa natureza adúltera: aí está o pecado (…). Eis porque estais doentes e porque morreis: é a conseqüência de vossos atos: vós fazeis o que vos afasta’”.
• Um dos trechos mais conhecidos do Evangelho de Tomé vai contra alguns princípios básicos da Igreja Católica. O texto aponta o seguinte: “O Mestre diz: ‘o reino de Deus está no interior de cada um de nós e não no céu. Não é em templos de madeira e pedra que você me encontrará, Levante aquela pedra e eu estarei lá, corte esta madeira e tu me acharás!’”.
Fonte: triada.com.br