WICCA, A RELIGIÃO DA NATUREZA

Ela ainda é vista com reservas por alguns, mas basta afinar o olhar para perceber que a bruxaria moderna é, na verdade, uma filosofia fascinante e repleta de luz, que vale bem a pena conhecer. Então, conheça-a!

Texto • Lívia Filadelfo

Religião. Se você logo pensou em temor a Deus, pecados e redenção pelo sofrimento, enganou-se. O amor incondicional à natureza, o prazer e a alegria de viver são os princípios de uma crença inspirada em uma das mais antigas religiões do mundo: a bruxaria.

A wicca, ou bruxaria moderna, surgiu essencialmente do paganismo e dos mitos e divindades celtas, gaulesas e irlandesas, além de diversas tradições populares europeias. Os wiccanianos acreditam na Deusa Mãe e no Deus Cornífero, no equilíbrio e polaridade das energias e na magia como forma de colocar o homem em contato direto com a natureza. Assim, seus adeptos tentam resgatar o verdadeiro sentido da palavra “religião”, que tem como raiz o termo religare. Ou seja, pretendem religar o homem à sua origem, a natureza.

As origens da wicca podem ser encontradas no período Neolítico, divididas entre diversos povos, como os romanos, gregos, normandos e, principalmente, celtas. Ao invadir a Europa, os celtas levaram consigo suas crenças, que se fundiram à cultura dos povos locais e deram início a muitas das práticas presentes hoje na wicca.

Mas, durante quase dois mil anos, a religião dos povos pré-cristãos da Europa permaneceu adormecida. Foi apenas na década de 40, já no século 20, que ela ressurgiu e ganhou a denominação wicca. Em 1951, então, a bruxaria moderna se tornou uma religião oficial, com a revogação das leis inglesas que até então proibiam práticas de magia.

Girar, moldar, dobrar

A palavra “wicca” vem do saxão wich ou do inglês arcaico wicce, que significam “girar, moldar ou dobrar”. Outra origem citada pelos estudiosos do assunto seria o termo germânico wit, que quer dizer “saber”. A união das duas significações resulta na definição da wicca como: “a sabedoria de girar, dobrar e moldar as forças da natureza a favor do homem”, conforme escreve o bruxo Claudiney Prieto no livroRitos e mistérios da bruxaria moderna.

Os bruxos modernos procuram reviver o culto à Deusa e ao Deus que, na tradição celta, representam as duas forças primárias veneradas e invocadas em seus rituais. “A wicca é uma religião panteísta, ou seja, reconhece o sagrado em todas as coisas. Nela, os deuses e a natureza são unos e, assim, o mundo torna-se divino e sagrado”, explica Prieto.

A bruxaria moderna é baseada nos ciclos da natureza, na magia positiva e nos rituais de harmonização pessoal por meio das forças naturais, das fases lunares e das quatro estações do ano. Essas crenças foram muito deturpadas e ganharam uma cara de “viagem” ao longo da História – a maior responsável por isso foi a Igreja Católica, que viu nas práticas pagãs uma ameaça ao seu poder na Europa. Hoje, a wicca tenta resgatar essa sabedoria ancestral e os rituais antigos.

Ao contrário do que muitos pensam, os feitiços e rituais de magia não se tratam de práticas malignas realizadas para prejudicar alguém. São apenas formas de os bruxos e bruxas estabelecerem contato com os deuses para alcançar o equilíbrio e a realização. “Todas as religiões praticam magia, embora não admitam isso. Seja um católico quando acende uma vela em louvor a um santo ou uma bruxa quando realiza um feitiço, ambos estão praticando magia, uma vez que desejam modificar uma situação de acordo com seu desejo”, afirma Prieto.

A wicca ensina que o verdadeiro poder mágico reside dentro de cada um e está presente em todos os lugares. Os wiccanianos são livres para usar esse poder, desde que em harmonia com a natureza e respeitando a Lei Tríplice e o Dogma da Arte. A primeira diz que “tudo o que uma pessoa faz, para o bem ou para o mal, retorna triplicado para sua vida, ainda nessa encarnação”, e a segunda prega o livre arbítrio, uma vez que as atitudes não prejudiquem nada nem ninguém.

Quando usada corretamente, a magia também é um dos instrumentos de conexão com o sagrado. Na tradição wicca, todos os humanos possuem habilidades mágicas natas, que não têm nada de sobrenaturais. “Para bruxas, usar magia é exercitar o poder pessoal que procuramos por meio do conhecimento e da disciplina. Fazemos feitiços sempre que queremos que algo aconteça, tendo sempre em mente o bem de todos os envolvidos”, diz Tauret Panthea, vice-presidente da Abrawicca (Associação Brasileira de Arte e Filosofia da Religião Wicca).

Quero ser uma bruxa

Existem muitos cursos de magia, professores e iniciadores, mas eles nem sempre transmitem informações sérias e confiáveis. Por isso, a maioria dos wiccanianos opta por estudar sozinhos. “Nada impede que um bruxo ou bruxa estude ou pratique magia sem a ajuda de um instrutor. Existem muitas fontes de ensinamentos, como livros, sites e fóruns de discussão na Internet”, orienta Prieto.

Dica da bruxa: “O primeiro passo para quem deseja iniciar-se na bruxaria é conhecer a wicca de verdade para saber se essa religião está de acordo com suas crenças e expectativas. Muitas vezes, as pessoas acreditam que a bruxaria é muito mais do que realmente é e se frustram. Outra recomendação é frequentar rituais e palestras em locais como a Abrawicca e o parque do Ibirapuera, em São Paulo, onde mensalmente, em uma noite de Lua Cheia, é realizado um ritual público.

Depois de tudo isso, o ideal é procurar ajuda com bruxos mais experientes para ver o caminho ideal a ser seguido. É possível trabalhar em um grupo de bruxos ou como bruxa solitária”, recomenda Tauret Panthea. Como a própria religião sugere, as escolhas cabem a cada um, assim como suas consequências.

 

Palavra de bruxa
Há nove anos, Tânia Gori fundou a Universidade Livre Holística Casa de Bruxa. Aqui, ela conta alguns segredos da bruxaria natural, uma filosofia de vida um pouco diferente da wicca.
Quando você tornou-se bruxa?
Eu comecei aos 9 anos, quando minha avó, que é bisneta de ciganos, passou a me ensinar como utilizar ervas, cristais e tarô. Com 23 anos, decidi desenvolver uma didática para que os antigos conhecimentos da bruxaria não morressem ou se distorcessem. Então, surgiu a ideia da bruxaria natural, uma filosofia que resgata as tradições da era paleolítica.
No que a bruxaria natural difere da wicca?
A wicca é uma religião que prega o culto à Deusa e ao Deus. A bruxaria natural não é uma religião, é uma filosofia de vida.
Como a magia mudou sua vida?
Hoje sou uma pessoa muito mais feliz e completa. Consigo tirar um aprendizado de tudo que estou vivendo. Parei de ver as coisas ruins como maldições e passei a encará-las como lições, algo que me fortalece.
Toda bruxa nasce com o dom de ser bruxa?
Eu acho que todas as pessoas têm esse dom da magia, principalmente as mulheres. A gravidez e o sexto sentido, por exemplo, são magias naturais que toda mulher tem. Algumas negam esse poder, porque ainda hoje a bruxaria é muito estigmatizada.
Quais os poderes de uma bruxa?
Ela tem uma segurança maior que as outras pessoas. Normalmente, as coisas que uma bruxa quer acabam virando realidade mais rápido devido a essa confiança.

 

PARA IR ALÉM

A bibliografia para iniciantes e interessados em wicca é imensa. Seguem algumas indicações da bruxa Tauret Panthea.

WICCA  A RELIGIÃO DA DEUSA, Claudiney Prieto (Gaia)

A BRUXA SOLITÁRIA, de Rae Beth (Bertrand)

WICCA  FEITIÇARIA MODERNA, de Gerina Dunwich (Bertrand)

O PODER DA BRUXA, de Laurie Cabot (Campus)

FEITIÇARIA  A TRADIÇÃO RENOVADA, de Evan John Jonnes e Doreen Valiente (Bertrand)

A VERDADE SOBRE A BRUXARIA MODERNA, de Scott Cunningham (Gaia)

GUIA ESSENCIAL DA BRUXA SOLITÁRIA, de Scott Cunnigham (Gaia)