Em vez de remédios, acordes e notas musicais. Assim, transitando entre instrumentos musicais e estetoscópios, os musicoterapeutas estabelecem uma nova dinâmica de tratamento clínico.
Texto • Bruno Hoffmann / Triada.com.br
A empreendedora apaixonada
O interesse pela musicoterapia foi despertado em 1999 quando se mudou de Guaxupé (MG), sua cidade natal, para São Paulo. Formada em piano erudito, decidiu trabalhar musicalmente com crianças em idade pré-escolar em seus primeiros meses na cidade. “O contato com os pequenos me causou encantamento imediato. Então, procurei uma faculdade em que pudesse desenvolver essa atividade. Realizo-me diariamente na profissão”, conta Luisiana França Passarini.
Atualmente, Luisiana, além de musicoterapeuta, é a representante brasileira da Fundação Benenzon de Musicoterapia (com sede em Buenos Aires). Com apenas um ano e três meses de existência, a clínica, localizada na zona oeste de São Paulo, conquistou sucesso rápido. Ela afirma que já antecipou em quatro meses a expectativa inicial de retorno do investimento. Faz cerca de cinco atendimentos por dia, individuais e em grupo, além de atender a um hospital e a um centro de menores em situação de risco.
Luisiana, ao lado de seu sócio, Wanderley Alves Júnior, recebe pacientes com os mais variados perfis. Desde crianças com autismo e idosos com mal de Alzheimer até pessoas que buscam autoconhecimento e alívio da estafa do dia-a-dia. São duas salas, nas quais estão espalhados inúmeros instrumentos, com destaque para os de percussão. Mas todo tipo de instrumento – ou que sirva como tal – é aceito. Chama a atenção um balão de ar trazido por clientes. “O paciente é incentivado a trazer algo para fazer som”, conta.
Provavelmente por ser uma profissão ainda não popular, a precisão com a terminologia é constante. Perguntamos qual o método utilizado nas sessões. “Não é método, é modelo”, enfatiza, educadamente, Luisiana. E explica: “Método significa que é um modo padronizado de se fazer algo. Nós utilizamos modelos, pelo caráter flexível do termo. Afinal, cada paciente é único”. O modelo, como sugere o nome da clínica, é o Benenzon, desenvolvido na Argentina por Rolando Benenzon, um dos principais especialistas em musicoterapia do mundo.
Profissão regulamentada
Em setembro de 2007, a Comissão de Educação (CE) aprovou por unanimidade o parecer da senadora Patrícia Saboya (PSB-CE), favorável ao projeto de lei que regulamenta a profissão de musicoterapeuta. O projeto descreve o musicoterapeuta como o profissional que utiliza a música e seus elementos – som, ritmo, melodia e harmonia – por meio de técnicas específicas, com a finalidade de prevenir, restaurar ou reabilitar a saúde física, mental e psíquica das pessoas.
De acordo com a proposta, poderão exercer a profissão os portadores de diploma de educação superior expedidos por instituições reconhecidas pelo Governo Federal. Também serão reconhecidos os diplomas de graduação em Música com habilitação em Musicoterapia. As pessoas que, na época de entrada em vigor da lei, tiverem ao menos cinco anos de experiência comprovada em musicoterapia e possuírem diploma de nível superior poderão, ainda, requerer o registro como musicoterapeuta. Apesar do parecer favorável, o relatório ainda deve ser aprovado em outras comissões do Senado para ter efeito definitivo. (Fonte: Agência Senado).
A desbravadora de mundos
Desde bem jovem a catarinense Priscila Borchardt mostrava grande interesse por pessoas que sofriam de autismo. Aos 17 anos, foi voluntária da AMA (Associação de Amigos do Autista) em sua cidade, Jaraguá do Sul. Hoje, aos 24, formada, vivendo em São Paulo e presidente da Apemesp (Associação de Profissionais e Estudantes de Musicoterapia do Estado de São Paulo), o interesse continua o mesmo. Trabalha no Centro Pró-Autistas, local que fornece atendimento multidisciplinar para todos os tipos da síndrome. “Tratar de crianças autistas é a grande paixão da minha vida”, diz, com empolgação sincera.
De acordo com ela, a musicoterapia é fundamental para o tratamento por ser uma forma não-verbal de expressão. “A tendência do autista é se fechar, não se comunicar com o mundo exterior. Mas a música invade seus sentidos sem pedir permissão. Pode ser um pouco desconfortável no começo, mas depois se torna fonte de grande prazer”.
No âmbito administrativo, seu papel como presidente da Apemesp é o de proporcionar suporte aos profissionais e às empresas que pretendem contratar musicoterapeutas, além de promover cursos de atualização. Sobre a visibilidade da profissão, ela acredita que o preconceito é o mesmo que a psicologia tradicional enfrentou há décadas e, por isso, ao longo do tempo, será superado. “Nos últimos anos, visibilidade e respeito entre a classe médica estão subindo em boa velocidade”, destaca.
A estudante experiente
A paulistana Greta Marigo Fragata, 21 anos, fala com propriedade sobre musicoterapia. Apesar de ainda estar no sexto semestre de faculdade pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), já tem boa experiência na área. É estagiária de uma clínica, pela qual presta atendimento na sala de espera de um hospital de grande porte da capital. Divide esse estágio com outro, na própria FMU. Atende individualmente, na clínica-escola da faculdade, a duas crianças que sofrem com síndrome de Down e paralisia cerebral. Anteriormente, passou por duas outras instituições. “Essas experiências são essenciais para o meu desenvolvimento profissional. Aprendo bastante com os profissionais mais experientes a me relacionar de forma cada vez mais eficaz com os pacientes”.
Greta afirma que se decidiu pela carreira após um teste vocacional que fez no último ano do ensino médio. Pelo teste, percebeu que havia uma profissão que poderia unir seus dois principais interesses profissionais: saúde e artes. “Conciliou perfeitamente meu lado criativo e artístico com meu desejo de atuar na área da saúde”.
Além da faculdade e do estágio, frequenta terapia corporal – “é fundamental que terapeutas exercitem seus conteúdos internos com outro terapeuta”, revela a estudante – e à noite trabalha em um restaurante japonês. “Com o dinheiro, pago minha terapia, as aulas de violão e eventuais cursos e congressos”. Para o futuro, pretende ingressar em pós-graduação e estudar fora do país. Anseia por plena satisfação profissional, termo que explica em uma frase: “A total satisfação profissional une a certeza de que o trabalho trouxe resultados positivos ao paciente e que o terapeuta recebeu a devida remuneração pela atividade”.
A incansável profissional
É necessário ordenar as informações em ordem cronológica para explicar a relação da carioca Francisca Cavalcanti, 55 anos, com a musicoterapia. Francisca conta que antes dos dez anos já tocava piano e violão, incentivada pela família. Na adolescência, teve o privilégio de se apresentar em corais na mítica casa de espetáculo Canecão, em um show dirigido por Bibi Ferreira e estrelado pela cantora Elizeth Cardoso. Na mesma época, também gostava de participar de festivais de música popular, dos quais lembra-se de ser apresentada à então desconhecida Gal Costa.
Em 1982, já era professora de música quando decidiu mudar-se para Florianópolis, cidade na qual permanece até hoje. Em busca de se aprimorar na área pedagógica, no início dos anos 1990, passou uma temporada na Alemanha, onde estudou no Institut für Waldorf-Pädagogik Witten. Logo depois, entrou no curso Terapia do Canto pela Escola Desvendar da Voz, no mesmo país. Quando, voltou ao Brasil, em 1994, passou a atuar com aulas de música em um instituto e decidiu fazer dessas experiências um meio terapêutico de ajudar o desenvolvimento musical de crianças. Foi aí que descobriu a musicoterapia.
Assim, depois de concluir a pós-graduação em musicoterapia, numa faculdade catarinense, Francisca abriu uma clínica antropofósica, na qual atende adultos e crianças, atividade a que se dedica até hoje e na qual se sente realizada. “Passei a juventude ao violão fazendo música popular. Até os 40 anos, lecionei música e participei de festivais. Mas agora, como musicoterapeuta, é a fase profissional mais feliz da minha vida”, comemora. Neste momento, com a ajuda de professores estrangeiros, desenvolve um projeto para ensinar no Brasil o método que aprendeu na Alemanha. “Na Europa, é uma profissão muito difundida e respeitada. O Brasil, felizmente, segue o mesmo caminho”.
Profissão recente
“Utilizar a música para relaxar e em outras atividades terapêuticas é sempre benéfico. Porém, musicoterapia se faz apenas com um profissional formado. É uma ciência, há um conceito por trás de cada atividade musical que utilizamos. Essa confusão ocorre porque boa parte da população ainda é alheia à nossa profissão”, é o que esclarece Luisiana França Passarini. Um dos motivos dessa falta de conhecimento é o tempo de existência da profissão. A técnica, que chegou ao Brasil somente no início da década de 1970, foi criada nos Estados Unidos logo após a 2ª Guerra Mundial por um grupo de psiquiatras que perceberam que os veteranos da guerra, vítimas de diversos distúrbios psicológicos, acalmavam-se com a música. Os especialistas passaram, então, a usar a música de forma sistemática, conquistando expressivos avanços no tratamento.