Texto • Carine Portela
Quando o príncipe Siddartha Gautama renunciou ao seu reinado e iniciou uma jornada espiritual, seu objetivo era entender o significado de nossa existência, e não encontrar o caminho da iluminação. Em outras palavras, podemos dizer que o jovem que um dia se tornaria Buda não queria atingir o nirvana, mas esclarecer completamente o samsara.
Samsara é o inquietante ciclo que rege nossa existência, reencarnação após reencarnação. É nascimento, vida, morte e renascimento: uma eterna roda de experiências, frequentemente marcada pelo sofrimento. A palavra vem da raiz “samsr”, que significa “circular, passar por diversos estados” (a imagem ao lado, uma pintura tibetana tradicional, ilustra essa definição).
“O que é chamado de samsara é como uma roda de oleiro, uma polia d’água ou abelhas aprisionadas em um jarro. Quando uma abelha está dentro do jarro, ela permanece nos limites do jarro, não importa por onde voe, porque não há outro lugar para ir. Da mesma forma, não importa onde você nasça, nos destinos inferiores ou superiores, você não terá passado das fronteiras de samsara. O topo do jarro é como os destinos superiores dos deuses e dos homens, e o fundo do jarro é como os destinos inferiores. Segundo o karma virtuoso ou não virtuoso, viajamos de um destino para outro em renascimento após nascimento, e por isso chamamo-los samsara, rodando em círculos”, explica dPal-sprul O-rgyan no livro Kun-zang La-may Zhal-lung.
Por extensão, samsara é tudo aquilo que nos ata ao mundo material. Quando um budista fala de um modo de vida “samsárico”, está se referindo a um padrão repleto de medos e expectativas, de ódio e desejo, de amarras e ilusões. O grande objetivo do homem deve ser escapar dessa realidade, o que só acontece quando se atinge o nirvana, a chamada “outra margem”. O caminho para chegar lá é se desvencilhar da busca incessante por prazeres e sensações materiais e seguir o dharma, o conjunto se ensinamentos deixados por Buda.
No reino de samsara pode haver muitos tipos de experiências e formas de ser, várias delas sedutoras. No entanto, para o budismo, todas estão condenadas ao sofrimento. Não existe alívio que perdure, nem promessa de felicidade que seja cumprida.
“É da natureza de samsara que tudo venha a ser, por fim, interrompido. Em curto prazo há sucesso: nós experimentamos segurança, amor, felicidade. Podemos mesmo ser capazes de transmitir alguma coisa de valor de uma geração a outra, mas se o modo de vida samsárico é nossa única alternativa, não podemos estabelecer nenhuma base genuína que faça sentido. A longo prazo, nossas realizações se desvanecem: não importa o que venhamos a obter, sempre esperamos algo mais. Esperando, aspirando, desejando e sonhando, a mente comum não consegue compreender a ilusão quimérica de samsara. Algo sempre está errado”, diz o livro Caminhos para a iluminação: estudos budistas no Instituto Nyingma.
Sem esse entendimento, não podemos acumular força suficiente para realizar algo de valor duradouro. Aceitar que a vida é feita de perdas e separações é o primeiro passo para encontrar a harmonia. O segundo é não projetar a felicidade externamente, seja em pessoas, bens, sonhos ou ideais. Segundo a doutrina budista, a felicidade está bem mais perto do que se espera: dentro de você.
O grande desafio é renunciar à aparente segurança de samsara e render-se ao mistério do dharma. De acordo com Buda, no entanto, é tudo uma questão de tempo: segundo a lei natural do Universo, todos os seres alcançarão a “outra margem”, mesmo que isso leve um tempo incalculável – e muitas e muitas voltas na roda de samsara – para acontecer.