terça-feira, julho 2, 2024
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Àbikú (Emèrè)

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Há muitas dúvidas sobre aqueles que morrem ainda durante a juventude e se eles seriam àbikús, nesta matéria buscaremos esclarecer pontos extremamente importantes.

Texto – Otunba Adekunle Aderonmu

Entende-se Àbikú como a síndrome períodica do nascimento-morte. Para algumas pessoas, a simples citação de àbíkú é suficiente para causar arrepios. Na tradição Yorùbá, se uma mulher dá à luz várias crianças natimortas ou mortas em tenra idade, o fato não revela a vinda ao mundo de várias crianças diferentes, mas de diversas encarnações do mesmo ser denominado àbíkú ou emèrè vem ao mundo por um breve momento para retornar ao Òrún (o mundo espiritual), diversas vezes. Os àbíkú vivem em grupos no Òrún. Convivem com um universo paralelo, onde buscam energia, e tem alta proteção. Carregam uma espiritualidade mais elevada que as outras pessoas, e que por vezes causa muitas doenças.

A criança passa assim seu tempo indo e voltando do Òrún para o mundo sem jamais permanecer aqui por muito tempo, para grande desespero de seus pais, desejosos de ter os filhos vivos.
Quando eles vêm do Òrún para o Àyié, os abikú passam a fronteira do Òrún diante do oníbodé órun (guardião do portal) e seus companheiros o acompanham até o local onde eles dizem até breve. Os que partem declaram o tempo que vão ficar no Àyié e o que irão fazer. Eles podem ficar no Àyié por períodos relativamente longos.
Quando prometem a seus companheiros que não ficarão ausentes, essas crianças, apesar de todos os esforços de seus pais retornarão, para encontrar seus amigos no Òrún. Algumas histórias de Ifá contam que oferendas feitas com fundamento podem reter no Àyié os àbíkú e podem fazê-los esquecer suas promessas de retorno, rompendo assim o ciclo nascimento-morte constante, porque, uma vez que o tempo marcado para o retorno já tenha se esgotado, seus companheiros correm o risco de perder o poder sobre eles. As oferendas podem também ter a finalidade de agradecer a sua presença no Àyié.
Dentre essas oferendas temos as denominadas plantas litúrgicas.
Citamos algumas delas:
• Abíríkolo
• Agídímagbayin
• Ídí
• Ijá àgborin
• Lara pupa
• Olobutojee
• Òpá emèrè
A oferenda dessas folhas funciona como uma espécie de mensagem e é acompanhada por ofós (encantamentos). Uma importante oferenda é: amendoim, mel e cana de açúcar colocados dentro de um alguidar com a roupa da pessoa.

Outras práticas são feitas como fazer pequenas incisões nas juntas da criança e nelas esfregar atin (um pó preto feito com osún, favas e folhas litúrgicas para esse fim) ou ainda ligar à cintura da criança com um talismã confeccionado desse mesmo pó inserido em um saquinho de couro. A ação protetora buscada nas folhas por meio dos ofós representa uma mensagem não verbal, uma espécie de apoio material e permanente da mensagem direcionada pelos elementos protetores contra os elementos adversos.
Nem todo parto onde ocorre a morte da criança é causado pelo fenômeno àbíkú. Existem alguns fatores que causam esta síndrome: físico, preternatural (que ultrapassa o natural) e puramente sobrenatural.

• Físico: Diversas causas podem levar uma criança a óbito, tais como desnutrição, tuberculose, fatores genéticos, problemas respiratórios etc. Se as mesmas causas causas físicas continuam acontecendo a uma família particular, há a tendência para a má interpretação de àbíkú. Não necessariamente estes casos configuram àbíkú.

•Preternatural: Outro tipo desta síndrome pode ser causado por fatores preternaturais, situação onde as pessoas usam poderes sobrenaturais para causar morte física ou natural às crianças nascidas de uma família. As bruxas, feiticeiros, herboristas e assim por diante, têm o poder para operar no âmbito sobrenatural enquanto no mundo físico prejudicam outros.

• Puramente sobrenatural: O terceiro tipo da síndrome é o sobrenatural. Esta é uma situação onde a causa de morte são as doenças, desnutrição, manipulação de bruxas, onde tenham sido eliminados os feiticeiros, herboristas e bruxas. Deve então ser consultado o oráculo para verificar se a criança é ou não àbíkú.

Àbíkú hereditário ocorre em uma família ou clã de geração em geração. Esta categoria sempre afeta, de modo complexo, as mulheres bonitas na família. Durante os períodos de infância podem estar muito vivos em um momento e, rapidamente, mudarão completamente em personalidades diferentes: os globos oculares ficarão avermelhados, podem lançar rachaduras e alguns deles podem chegar ao extremo de espumar na boca. Uma coisa importante é que eles odeiam argumentos e disputas. E também não devem ser provocados porque, no momento em que eles forem provocados, pode ocorrer desfalecimento ou convulsão.
Àbíkú não hereditário ou acidental são aqueles que não passam de uma geração para a outra. Pode haver uma pessoa na família, também uma mulher neste caso, que pode ter acidentalmente as características de Àbíkú ela pode pedir então a família que erga um Ulo-Agwu para que ela possa adorar Eze-Nwanyi. Quando se começa a operar o Ulo-Agwu, naquela família as características de Àbíkú deixarão de aparecer automaticamente na família.
Entre os Yorùbá da região ocidental, a crença no destino é relativa. Acreditam que o destino de uma pessoa é normalmente escolhido (Àkúnlèyàn) no Òrún enquanto para outros o destino é atribuído à pessoa (Àyànmó) em função do caminho que ele tenha escolhido. Existe também a crença que o registrador e inspetor do destino de uma pessoa é nossa divindade pessoal conhecida como Orí ou Eleda (divindade pessoal). Porém, no momento que a pessoa reencarna, tudo o que ela tinha escolhido é esquecido. Só os adivinhos podem ter uma pequena ideia do seu destino. Durante o período de escolha de um destino algumas crianças podem decidir que não viverão além do período de adolescência antes de retornarem ao Òrún e preparar outra jornada no Àyié.
Por vezes, uma criança é atraída para uma mulher, por meio de magia para prejudicar o destino da mãe e da criança. A mãe contaminada pela Comunidade Àbíkú, engravida de um ser àbíkú que nasce para tirar a tranquilidade dos pais.
Os Yorùbá acreditam na consulta imediata ao oráculo depois que uma mulher engravidar e no terceiro dia após o nascimento da criança. É uma das formas de saber como tratar determinada criança depois do nascimento
O melhor momento para tratar um emèrè é quando ainda está no útero. Até o nascimento será mais fácil de mudar o destino dele por meio de rituais e ebós. Todos os Babáláwòs sabem que é muito difícil resolver o problema de àbíkú após o nascimento.
Por uma questão de justiça, não poderá um àbíkú que foi “gerado” por uma família, nascer em outra, pois, quem sofre realmente são os pais, porque a dor interna é maior que a dor física.
Entre os Yorùbá, os àbíkú recebem no seu nascimento, nomes específicos, sendo alguns deles acompanhados de saudações tradicionais. Esses nomes costumam aconselhar ou suplicar aos àbíkú que permaneçam no Àyié. Vejamos alguns exemplos:

• Aiyédùn – A vida é doce.
• Aiyélagbe – Nós ficamos no mundo.
• Akúji – O que está morto, desperta.
• Bánjókó – Senta-te comigo.
• Dúrójaiyé – Fica para gozar a vida.
• Dúróoríìke – Fica. Tu serás mimada.
• Èbèlokú – Suplica para que fique.
• Ilètán – A terra acabou (não há mais terra para enterrá-lo).
• Kòjékú – Não consita em morrer.
• Kòkúmó – Não morra mais.
• Kúmápáyìí – A morte não leva este daqui.
• Omotúndé – A criança voltou.
• Tìjúikú – Envergonhado da morte (não deixa a morte te matar).
• Dúrósnmí – Fica, para me enterrar.
• Dúrósomo – Fica, para fazer filhos.
• Kòsókó – Não há enxada (para cavar o túmulo).
• Malomó – Não te vás mais.

Os emèrès apresentam algumas características específicas: costumam dormir de olhos abertos, falam sozinhos, não sentem falta de amigos e não aceitam repressão. Se alguém fizer mal a um Àbíkú, esse mal retorna para a pessoa que fez. Costumam ter controle da própria vida, pressentindo tudo que se passa com eles. Controlam sua fome, seu sono, sua alegria e são capazes de simular e curar uma doença. Às vezes, ficam doentes para castigar a família. Possuem um círculo de amizades muito restrito se for uma pessoa iniciada, pode chegar à idade adulta muito bem preparada para a vida.

A sociedade dos àbíkú é chamada de Egbé Òrún dos àbíkú e seu protetor é Aragbo, cuja função é a criança no Àyié. Com esse culto mantêm os àbíkú no Àyié. Durante a sua geração dá-se início a pactos que impedem a sua morte. Reconhecendo-se esse fato, fazem-se os procedimentos para mantê-lo vivo. O culto é à sociedade, que controla a vida do àbíkú e esse pacto é quebrado, por meio de ebó, para liberar a criança. Nos rituais onde se agrada Aragbo, com determinadas comidas, todos comem, divindindo àṣẹ̀, distribuindo energia positiva. As oferendas funcionam como ritual de troca para manter o àbíkú no Àyié. Quando a morte do àbíkú não é afastada, os membros da sociedade vêm buscá-lo.
Verger ³₆ relata uma cerimônia feita para Àbíkú, em conjunto com Ìbejì, pela tanyinnon ³₇ encarregada do culto aos deuses protetores de uma família tradicional do bairro Houéta, em Porto Novo no Benin.
Em um canto da peça principal, oito estatuetas de madeira com 20 centímetros de altura eram colocadas sobre uma banqueta de barro. Todos vestidos de panos da mesma qualidade, mostrando pela uniformidade de suas vestimentas, pertencer a mesma sociedade (Egbé). Seis destas estatuetas representam ábíkús e as outras duas ibeji. As oferendas consistiam de:

• Oká (pasta de inhame).
• Obèlá (espécie de caruru).
• Èkuru (feijão moído e cozido nas folhas).
• Eran dindi, eja dindin (carne e peixes fritos).

Depois da prece de tanyionnon e da oferenda de parte desta comida às estatuetas, foram distribuídas pela assistência. Em sua prece tinha invocado Sàlàkó, que com Tàlàbi são os nomes dados aos meninos e meninas que vem ao mundo com pedaços de membrana rompida sobre a cabeça; circunstância expecpcional do seu nascimento que os aproxima da sociedade dos ábíkú.
Uma sacerdotisa de Ọbàtálá assistiu à cerimônia sublinhando as ligações existentes entre o Oríṣá da criação; as pessoas de corpos mal formados, corcundas, alijados, albinos e aqueles cujo nascimento é anomal (àbíkú e ibeji).
Em ocasiões especiais na vida do àbíkú, há o perigo de acidentes, ameaças, porque no universo paralelo há uma inversão de sentimentos. São necessárias então oferendas para que não ocorra morte prematura.

• Texto extraído do livro Adekunle, Otunba, Ifá Filosofia e Ciência de Vida. 1.ed. São Paulo, 2005.

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