Alguns o chamam de Òrìṣà mensageiro; outros o consideram o senhor do jogo de búzios. Mas será que a especialidade e a energia de Èṣù se resumem apenas a isso? Confira.
• Texto – Awo Ifá Leké – Eduardo Henrique
Èṣù é conhecido, em algumas rezas africanas, como o “filho indulgente” de Olódùmarè, por ser a divindade mais próxima dos seres humanos. Ele ensina a prática da tolerância e busca estar presente em diversos rituais e trabalhos espirituais. Sua grandeza manifesta-se em todas as partes: é ele quem guarda os portões do céu (Ọ̀run), e ninguém entra no palácio real ou se apresenta diante de Olódùmarè sem antes passar por Èṣù.
Na tradição yorùbá, ele deve ser cultuado primeiramente, antes de qualquer outra divindade, pois é o mensageiro que permite a comunicação entre a Terra (Ayé) e o céu (Ọ̀run). Possui a responsabilidade de levar as mensagens aos Òrìṣàs e de conduzir os ebós (oferendas ritualísticas).
Èṣù é o Òrìṣà da humanidade e da comunicação. Está presente em todos os lugares, a todo momento, ao nosso lado. Ele chora nossas dores conosco e se alegra com nossas felicidades. Dizem as rezas africanas: “Quem tem dinheiro, reserve a sua parte para Èṣù; quem tem felicidade na vida, reserve a sua parte para Èṣù.” Pois, de fato, é com ele que mais compartilhamos nossos sentimentos.
Tão divino é Èṣù que habita dentro de nós e consegue sentir o que sentimos. Ele conhece nosso passado, presente e futuro. É a divindade que transita livremente por lugares onde nem sempre Olódùmarè (Deus) se faz presente. Èṣù possui as chaves que abrem as fronteiras entre os espaços, entre a luz e as trevas, entre o calor e o frio. Nos ensinamentos orais, aprendemos que é necessário manter um bom comportamento e prestar-lhe culto, pois ele pode falar bem ou mal de nós perante os Òrìṣàs.
Este Òrìṣà pode tanto fazer o bem quanto o mal, conforme o tratamento que recebe de seu devoto. Èṣù pode fazer com que o certo pareça errado e o errado se torne certo. Ele é a divindade do movimento e do equilíbrio. Por isso, quando estamos em desequilíbrio, é à energia de Èṣù que recorremos para restaurar a harmonia.
Èṣù é aquele que acerta a ave de ontem com a pedra lançada hoje. Sentinela das leis espirituais, sua presença é constante em todos os lugares, impedindo que forças negativas (Ajoguns) interfiram nos destinos e na vontade das divindades. Èṣù detém o conhecimento de todos os seres humanos, lembra-se de tudo o que ouviu e viu e compreende todas as criaturas — desde as mais elevadas até as medianas e inferiores.
É fundamental, na tradição, que ele seja cultuado antes de qualquer outro Òrìṣà. Para que um sacerdote jogue os búzios, é essencial o assentamento de Èṣù, além de atos de devoção.
Èṣù pode aplicar punições ou bênçãos. Ele traz as respostas dos deuses. Nascido diretamente das mãos do Deus Supremo, é a própria energia do Criador. Embora seja brincalhão e punidor, Èṣù é tanto masculino quanto feminino. Seu símbolo é o Ogó, um bastão de forma fálica, que representa a fertilidade, fecundidade e continuidade. Ele é o movimento cósmico, a batida do coração, o sangue nas veias, o calor humano, o prazer e o fluxo da vida.
Èṣù é tão grandioso que não pode ser destruído: a cada ataque que recebe, regenera-se ainda maior. Por isso, seu nome carrega a atribuição de “esfera”.
Lenda de dois amigos
Conta-se que dois amigos se orgulhavam muito de sua amizade e lealdade. Eram vizinhos e viviam em harmonia. Embora fossem praticantes da tradição afro-religiosa, não prestavam culto a Èṣù e sequer simpatizavam com ele.
Certa tarde, como de costume, estavam conversando nos limites de suas propriedades, quando Èṣù passou entre os dois, usando um chapéu metade branco e metade vermelho. Um dos amigos comentou:
— Que figura estranha… aquele homem de chapéu vermelho.
O outro respondeu:
— Chapéu vermelho? Não! Era branco!
A divergência rapidamente se tornou discussão, que evoluiu para uma briga séria, rompendo a amizade. Enquanto isso, Èṣù apenas observava, rindo. Esta lenda mostra que Èṣù só está disposto a ajudar nas dificuldades aqueles que o reverenciam. Como retratado no filme Besouro, é necessário despertar a divindade e permitir que ela atue em nossas vidas. Ele cumpre as ordens do Criador e nada faz sem a devida permissão divina.
Lenda de Orúnmìlá e o nascimento de Èṣù
Outra lenda conta que Orúnmìlá e sua esposa desejavam muito ter um filho, mas a natureza não os favorecia. Foram então ao Ọ̀run (céu), pedir que seus desejos fossem atendidos. A resposta foi negativa: “Não é chegada a hora.”
A esposa de Orúnmìlá continuava a insistir. Orúnmìlá, então, foi até o castelo de Olódùmarè. Ao chegar lá, viu um menino muito belo à porta de entrada, com quem imediatamente se simpatizou.
Ao insistir com Olódùmarè, recebeu nova negativa. Ainda assim, Orúnmìlá pediu aquela criança como filho. Foi advertido de que aquele não era um filho comum. Mesmo assim, insistiu. Olódùmarè, então, aceitou.
Orúnmìlá teve relação com sua esposa e concebeu Èṣù, que passou doze meses no ventre materno. Ao nascer, recebeu o nome de Elegbára, o “Senhor do Poder”. Desde o nascimento, manifestou grande fome: pediu comida, animais, vegetais, minerais, peixes — tudo ao redor. Como não havia mais nada a consumir, Èṣù voltou-se e devorou sua própria mãe, recebendo então o título de Elegbó, o “Senhor das Oferendas”.
Furioso, Orúnmìlá atacou Èṣù com sua espada, cortando-o em pedaços. A cada golpe, milhares de novas partes de Èṣù surgiam, maiores e espalhando-se por diversos lugares. Exausto, Orúnmìlá fez um acordo: se Èṣù devolvesse tudo o que havia consumido, ele seria o primeiro a receber as oferendas e seria cultuado antes de qualquer outro Òrìṣà.
Èṣù aceitou. Devolveu tudo, e desde então é conhecido como “o inimigo dos Òrìṣàs”, não por rivalidade, mas porque, sem seu culto, nada se concretiza: nem oferendas, nem mensagens, nem pedidos chegam aos Òrìṣàs. Èṣù possui o conhecimento de todos os Òrìṣàs e atua para todos os fins.