Comemorado anualmente em 31 de outubro, o Halloween, também conhecido como Dia das Bruxas no Brasil, é hoje uma das festas mais populares do mundo ocidental. Mas, por trás das fantasias e das abóboras iluminadas, há uma tradição milenar que remonta aos antigos povos celtas, que celebravam o Samhain — um festival que marcava o fim do verão e o início do Ano Novo celta, celebrado em 1º de novembro.
As raízes celtas do Halloween
De acordo com a historiadora Miranda J. Green, especialista em religião e mitologia celta e professora da Universidade de Cardiff, o Samhain era uma das principais celebrações do calendário agrícola dos povos da antiga Irlanda, Escócia e País de Gales.
Em sua obra The World of the Druids (1997), Green explica que o festival simbolizava “a transição entre a luz e a escuridão, entre a vida e a morte”. Nesse período, os celtas acreditavam que as barreiras entre o mundo dos vivos e dos mortos se enfraqueciam, permitindo que espíritos — bons e maus — visitassem a Terra.

Por isso, era comum acender grandes fogueiras para afastar os maus espíritos e usar máscaras e fantasias com o intuito de confundi-los. Os registros arqueológicos e literários também indicam que, durante o Samhain, havia sacrifícios de animais e banquetes comunitários, realizados em honra aos antepassados. O festival durava cerca de três dias e marcava o início do inverno, um período de escassez em que a proteção espiritual era considerada essencial.
Segundo o antropólogo Ronald Hutton, professor da Universidade de Bristol e autor de The Stations of the Sun: A History of the Ritual Year in Britain (1996), o Samhain era “um tempo liminar, de fronteira entre dois mundos — o natural e o sobrenatural —, onde o tempo cotidiano se dissolvia e os mortos retornavam”.
Do paganismo à cristianização
Com o avanço do cristianismo na Europa, a Igreja Católica adotou uma estratégia comum: incorporar festividades pagãs ao calendário litúrgico, adaptando-as aos valores cristãos. Conforme explica o historiador Philippe Walter, em Christian Mythology (2003), essa foi uma forma eficaz de “converter populações mantendo parte de seus rituais, mas transformando seus significados”.
O Samhain não escapou a esse processo. Durante o pontificado do Papa Gregório III (731–741), o Dia de Todos os Santos (All Saints’ Day), que antes era celebrado em maio, foi transferido para 1º de novembro — a mesma data em que ocorria o antigo festival celta. O papa seguinte, Gregório IV, ampliou a celebração para toda a cristandade. Assim, a véspera de 1º de novembro passou a ser conhecida como All Hallows’ Eve (“véspera de Todos os Santos”), expressão que, com o tempo, deu origem à palavra Halloween.
Pesquisadores como Nicholas Rogers, autor de Halloween: From Pagan Ritual to Party Night (Oxford University Press, 2002), defendem que essa transição demonstra como o cristianismo “reapropriou-se de símbolos pagãos, transformando-os em expressões da fé cristã, mas preservando seus elementos de mistério e medo do além”.
Evolução e popularização moderna
Durante os séculos seguintes, o Halloween evoluiu ao se misturar com tradições medievais e costumes populares europeus. Quando imigrantes irlandeses chegaram aos Estados Unidos no século XIX, trouxeram consigo as lendas e costumes do Samhain. Lá, a celebração ganhou novos elementos, como a famosa abóbora iluminada (jack-o’-lantern), inspirada em uma antiga lenda irlandesa sobre um homem chamado Jack, que teria enganado o diabo.
A partir do século XX, o Halloween tornou-se uma data amplamente difundida pela cultura norte-americana, impulsionada pelo cinema, pela publicidade e pela indústria do entretenimento. Hoje, é celebrado em diversos países, inclusive no Brasil, onde é popularmente associado ao “Dia das Bruxas”.
Entre o sagrado e o lúdico
Embora o Halloween contemporâneo tenha perdido muito de seu caráter espiritual original, ele ainda preserva o símbolo universal da transição entre mundos, herdado dos antigos celtas. Como destaca a historiadora Lesley Bannatyne, autora de Halloween: An American Holiday, an American History (1998), “a festa continua a expressar, de forma lúdica, o fascínio humano pelo mistério da morte e pela ideia de que o invisível está mais próximo do que imaginamos”.
Assim, mais do que uma simples celebração com doces e fantasias, o Halloween representa a continuidade de rituais milenares, transformados e ressignificados ao longo dos séculos — uma herança viva das antigas crenças que buscavam compreender e celebrar o ciclo da vida, da morte e da renovação.




