terça-feira, julho 2, 2024
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Influências literárias na Kimbanda

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A Kimbanda é uma tradição que no Brasil vira alvo frequentemente de polêmicas entre sacerdotes de matrizes afro-brasileiras sobre as suas práticas e surgimentos, porém não podemos deixar de evidenciar que muitas influências surgiram da literatura brasileira e nesta matéria terei o intuito de esclarecer alguns pontos importantes e se realmente a Kimbanda é o que os sites famosos de pesquisas afirmam.

Texto • Prof. Eduardo Henrique Costa

COMEÇANDO PELO NOME

Kimbanda e Umbanda são separadas apenas por palavras, o objetivo de ambas é voltado para cura. A própria palavra “Kimbanda” é associada diretamente a cura e o sacerdote ou mestre desta tradição é definido como um curandeiro espiritual de um terreiro, sendo esta a prática ancestral, principal de seus praticantes.
Na Umbanda percebemos este mesmo objetivo quando visitamos um terreiro e podemos visualizar ritos como defumações para o bem-estar “pro mal sair e a saúde entrar”, passes espirituais feitos pelas entidades espirituais que possuem a mesma finalidade que o Reiki (envios de energias), benzeções e entre outras práticas que nos leva a refletir que a cura é o princípio da harmonia.

Infelizmente mesmo com tamanhas riquezas a Kimbanda não manteve este significado, ficou conhecida a nível global de forma errônea como “Culto de Magia Negra”, a definição traz uma afirmativa de que as práticas têm caráter maléfico e destrutivo, mas na prática não faz o menor sentido se a Kimbanda é como as pessoas dizem, por que teria caboclos e pretos velhos nesta tradição? E por quê na prática um Exu pode curar de uma doença desconhecida e trazer harmonia em meio aos conflitos? Afinal por quê tamanha separação entre Umbanda e Kimbanda? Cada dia que se passa as pessoas criam mil barreiras para afirmar de quê um umbandista não pode ser um kimbandeiro, pois não daria para ser bom e mal ao mesmo tempo… O pensamento de que Kimbanda é maléfica posso afirmar ser totalmente uma loucura, pois o fato de existir alguém ruim não é culpa da tradição, assim como não é culpa da religião existir pessoas de mau caráter mesmo com códigos morais e tamanhas filosofias.

Esta guerrinha de bem e do mal, é coisa material e do próprio ego e da arrogância. Achar que as entidades de Umbanda luta contra as de Kimbanda é uma tamanha ignorância. Em toda tradição que tenha como finalidade a cura da alma e de locais, pode-se existir a prática da caridade ou do bem, são questões que depende mais do praticante do que da linha, pois não há impedimento.

OLHA A MACUMBA AÍ!

Arthur Ramos (1903 à 1949).

Para entendermos os primeiros conceitos ligados a religiosidade afro-brasileira, podemos citar uma das figuras importantíssima neste processo: Arthur Ramos foi um grande autor, antropólogo brasileiro, médico psiquiatra, psicólogo social, um dos pioneiros que usou da psicanálise para investigar a mentalidade e cultura dos brasileiros, o mesmo apresentou explicações detalhadas sobre a macumba, onde ele foi capaz de observar através de estudos em diversos terreiros que ele pesquisou chegando a conclusão que não existia apenas um tipo de prática, ele definiu que existia diversas linhas, entre elas havia a Umbanda e a Kimbanda, nesta parte conseguimos entender que estas duas também são macumba. Mas a macumba não é uma definição de maldade, é um nome genérico usado para se referir a diversos ritos religiosos que eram praticados por africanos, seus descentes, ex escravizados e era comum ser uma reunião de pessoas pretas. Algo que sempre costuma ter em comum dentro da macumba é o catártico; praticantes que entram em transes, há danças, cantigas, sons de instrumentos, bater palmas… e procuram buscar através destes rituais a cura para os males, seja físicos, psicológicos e espirituais. Posteriormente houve a entrada dos brancos dentro das práticas e quando a Umbanda já estava começando a se formar como religião, esta teve uma enorme participação da classe média, de grupos egocêntricos, puramente racistas para sermos mais exatos, precisavam eliminar estes elementos catárticos e toda prática densa, se aproximando mais do Cristianismo, surgindo aquelas emblemáticas frases “a Umbanda pratica o bem e a Kimbanda pratica o mal”, criando um enorme muro que separava a Umbanda da Kimbanda, porque os umbandistas da época estavam preocupados em ser mais aceitos pelos europeus e queriam eliminar tudo que fosse provocar afrontas ao Cristianismo e podemos perceber que a entrada do Espiritismo Kadercista dentro da Umbanda, também foi algo que era muito mais aceito pelas pessoas, não chegando a tais níveis de exclusões da sociedade como era com a macumba no geral. A Umbanda limitou seu culto aos Exús e Pombas Giras, ficando a Kimbanda responsável por mais expressiva profundidade no culto destes seres. Mas isto não significa que toda Kimbanda não teve influência da cultura européia, e logo seremos capazes de perceber um exemplo emblemático praticado por algumas.
A ideia do bem não estava apenas associada às condutas, mas a qual cor fisicamente se tinha, não é atoa que o negro era sempre visto como um ser de maldades e o branco como “detentor da paz”, caso ache isto um exagero, visite algumas lojas de artigos religiosos de Umbanda e pasme ao reparar imagens de deuses negros com cor branca, diga-se de passagem eu costumo até mesmo dizer que se o Cristo não tivesse suas imagens como um europeu, quase ruivo, dificilmente seria visto como algo santo… Retornando ao assunto: diferente da Umbanda, a Kimbanda não aceitou ceder as pressões do Cristianismo e até hoje é vista como algo afrontoso, maléfico, ou como muitos chamam depois da separação com a Umbanda e Kimbanda como “linha de esquerda”. Para os caros leitores e alunos possam entender da melhor forma, um Preto Velho pode se manifestar pela direita ou pela esquerda, porque isto não é uma lei espiritual, é algo criado pelos humanos para definir o que era do bem, mas as entidades mostrava cada vez mais que isto não fazia sentido. Não podemos dizer que foi apenas um único tipo de macumba influenciada por este conceito, percebemos que houve várias, como por exemplo, Culto da Jurema Sagrada e o Catimbó, até mesmo nas religiões com influências xamânicas vemos algumas consideradas de direita por terem santos católicos, rezas do Pai Nosso e as práticas que não tem, como linha de esquerda ou “fundo”.

Para visualizar em um melhor tamanho, clique em cima da imagem.

Disponível em: Google. Acesso: 7/10/2023.

Você já andou pela rua e viu pessoas afirmando de quê “se a macumba fosse bom, seu nome não seria má – cumba”… Toda vez que alguém diz isto eu vejo que falta estudar história, português entre outras matérias que faria não cometer tamanha babaquice.

Imagem: Extraida da internet. Conteúdo do ano de 1941.

E você já se perguntou quem é que foi o autor que trouxe este argumento da Kimbanda como maldade e Umbanda como bondade? Porque tudo costuma ter uma origem ou influência de alguém e de acordo com os meus estudos: foi Lourenço Braga em 1941, na sétima sessão do primeiro Congresso Espírita de Umbanda.
Braga apresentou conceitos de que os trabalhos para fins benéficos estavam contidos na Umbanda e na Kimbanda seria os que fossem para fins maléficos, posteriormente esta representação feita foi o motivo de surgimento de seu livro “Umbanda (Magia Branca) e Quimbanda (Magia Negra)“, publicado no ano de 1942, podemos defini-lo como um dos primeiros autores a impregnar estes conceitos de linhas do bem e do mal.
Antes da publicação do livro de Lourenço Braga, já existia afirmações sobre magia branca para o bem e magia negra ser para o mal, através do autor Noel de Souza sobre as sete linhas de Umbanda (por volta do ano de 1938), trazendo relatos em seus jornais.

Livro de Lourenço Braga.

Quando paro para refletir sobre o que Braga viu de tão mal na Kimbanda, na verdade não se tratava da tradição, era as pessoas que buscavam os terreiros para pedir coisas materiais… E com os sucessos de vendas de seu livro, o Cristianismo ganhou tantas forças que houve o lançamento de um livro no ano de 1952 de um famigerado Aluizio Fontenelle , onde o título de seu livro foi “Exu”. Vejamos;

Livro lançado pela editora Espiritualista no ano de 1975.

Em seu livro ele comparou as entidades que vinha na Kimbanda com os seres da Goetia, além de colocar tacitamente Exú como o próprio Diabo, aquele que se encontra contido no imaginário popular: que usa chifres, rabos, espeta pessoas e foi condenado a vagar pelo mundo. Fontenelle usou de diversas páginas para dizer sobre si mesmo no que ele se autoavaliou como alguém muito sábio capaz de julgar as entidades e defini-las, Fontenelle de forma absurda nega a própria origem da palavra Exú e afirma que não tinha vindo da África, desta maluquice nasceu os pensamentos de que Exú era o nome que estava na Bíblia dos cristãos. Como se não bastasse, o mesmo afirmou que este nome tinha sido dito por Deus numa língua (não conhecida pelos humanos) e estas babaquices de teorias sem nenhuma fundamentação básica, infelizmente é copiada até os dias atuais. Uma certa vez no ano de 2018, conversei com um rapaz que se dizia mestre em Kimbanda, o mesmo me disse que Exú estava nas escrituras em hebraico, me causou estranheza pois eu sou um pesquisador e especialista no idioma hebraico, e disse que encontraria com o nome de “Yesú”, talvez ele tenha desenvolvido este pensamento ilusório graças a Fontenelle. O que muito podemos perceber na Macumba é que muitas definições vinham do misticismo popular, e trouxeram de tal forma o Diabo para dentro da Macumba, que em pleno século vinte e um, há macumbeiros que até acham que estão cultuando o Diabo, infelizmente.

Oras, não estou aqui para condenar aqueles que cultuam o Diabo, apenas estou trazendo fontes de pesquisas que explicam de onde veio certos textos muitos idênticos no qual conhecemos nos dias atuais: Quimbanda, o lado negativo da Umbanda. Reitero que boa parte dos preconceitos com a macumba é ligado a cor sim! Tanto que no próprio folclore brasileiro, há pessoas que acreditam que o Saci Pererê é o próprio Diabo, mas afinal por quê isto? Tem personagens muito mais levados do que ele, mas veja, o Saci é…? Preto!…

Aluizio Fontenelle fez diversas comparações e colocou Exú como o próprio pecado original e que teria tentado Eva e Adão no Paraíso, o autor ainda relata sobre uma rebelião causada por Lúcifer e que o povo expulso era “Exud” uma língua que apenas ele sabia (risos), concluindo em suas teorias de que estes seres foram condenados a viver nas profundezas da Terra, levando a entender que existe Exús na Terra por conta de uma maldição lançada pelo próprio Deus. É bem provável que ele tenha sido um cristão, pois fez muitas referências a Trindade, saudando em seu livro, esta ideia foi copiada por diversos autores posteriormente e que fez muitos sincretizarem os Exús com os Daimons da Goetia.

Afirmar que Exú é um demônio, é a mesma coisa que dizer que Ogum é São Jorge, são apenas comparações, mas não significa que é tudo igual. Expresso meu pensamento de que o sincretismo ele não é ruim exatamente, mas quando ele se junta e acha que tudo é uma coisa só, acabamos perdendo a essência, as raízes de nossa cultura. Mas e a Kimbanda que muitos chamam de Luciferiana? Seria coisa do capeta? Sem muitos rodeios, se fomos analisar a palavra “Lúcifer” de forma básica significa o portador da luz, em algumas culturas citam este nome como de um deus Vênus, também houve muitas pessoas em épocas antigas com o nome de Lúcifer, assim como existiu diversos com o nome de São Cipriano. Há certas coisas que são simples de entender, mas as pessoas gostem de complicar.

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