Os ensinamentos da cabala têm se tornado cada vez mais populares graças às investidas de celebridades que se dizem transformadas por ela. É o caso da autodeclarada “embaixadora do judaísmo”: a popstar Madonna.
Texto • Thiago Perin
Não é de surpreender que popstars do calibre de Madonna ajudem a popularizar roupas, estilos, gírias e outros modismos. Mas muita gente achou estranho que uma figura como ela – sempre tão ousada, polêmica, erótica – se tornasse uma das maiores responsáveis pela propagação de ensinamentos religiosos bem conservadores.
Desde que Madonna começou a flertar com a cabala, por volta de 1997 (ela frequenta o célebre The Kabbalah Centre, em Londres, onde estuda com o rabino Yehuda Berg), o interesse popular pelos ensinamentos da tradição só cresceu. E, conforme a “cabala à Madonna” foi ganhando as primeiras páginas dos jornais e revistas, inúmeras dúvidas foram sendo levantadas quanto a real entrega da cantora à filosofia judaica.
A conversão está evidente em seus discos, que trazem versos sobre descobertas espirituais alinhados a batidas dançantes, e também em seus shows, onde letras hebraicas sagradas são exibidas em telões durante elaboradas coreografias. Mas essa é uma abordagem bastante moderna – e, já como nos acostumamos a esperar de Madonna, ousada – para essa antiga filosofia, que causa, como era de se esperar, bastante controvérsia.
Os dois lados
Para alguns cabalistas, a divulgação massiva deve ser festejada, já que o interesse de celebridades como Madonna pode inspirar muitos de seus fãs a conhecer e seguir os preceitos da cabala. Outros estudiosos, no entanto, alertam para o fato de que essa busca pode acabar sendo pelos motivos errados. “Cabala não é apenas uma forma de pensar, nem apenas um estudo. É um estilo de vida que envolve um aprofundamento muito maior do que as pessoas esperam quando saem em busca desse conhecimento por influência da Madonna”, diz a professora Adriana Finkelstein, da Escola de Kabbalah, de Porto Alegre.
Assim como ela, cabalistas mais conservadores de todo o mundo não veem com bons olhos a diluição de conceitos e símbolos importantes feita por Madonna em suas produções artísticas. Alguns líderes religiosos consideram faltar à cantora conhecimentos fundamentados sobre o judaísmo para que ela possa ser instruída em cabala. O rabino David Batzri, da Shalom Yeshiva, por exemplo, aponta que compreender os segredos da cabala é difícil até mesmo para muitos judeus. Assim, os seguidores de Madonna estariam sendo expostos a certos elementos da filosofia sem qualquer preparação teórica, que é fundamental para entendê-la e praticá-la.
O rabino diz, ainda, ser contra pessoas não-judias terem acesso aos conhecimentos da cabala. E Madonna, que já chegou a se declarar “a embaixadora do judaísmo” durante um encontro com o então presidente de Israel, Shimon Perez, nunca se converteu totalmente. Nascida e criada em uma família de católicos praticantes, ela costuma afirmar, em suas declarações públicas, que não acredita em religião, e, por isso, não é adepta de nenhuma delas.
Vale a pena?
Mas então, será que a tal “cabala à Madonna”, que não requer a adoção do judaísmo como religião e não tem pudores de utilizar símbolos sagrados em obras pop, é uma vertente válida da sabedoria judaica original? Para Adriana Finkelstein, quem realmente tem interesse em se aprofundar na cabala deve ir atrás dos ensinamentos antigos, originais, já que aprendê-la envolve um comprometimento muito grande.
E mais: ela conta que, apesar de o número de interessados na cabala ter aumentado nos últimos tempos, boa parte dos curiosos não conseguem se comprometer com a seriedade e profundidade do assunto. “A minha escola teve um aumento de procura, mas a maioria que veio por causa da Madonna não conseguiu abrir o coração e a alma para o conhecimento”, completa.
“Cabala à Madonna”
É verdade que a abordagem moderna que Madonna segue, por si só, tem um apelo maior às pessoas mais jovens e àquelas que nunca foram muito de seguir ideais religiosos – exatamente a intenção dessa vertente cabalística, que preza pela expansão. Certa vez, em um dos episódios que mais causou furor entre os conservadores, Madonna chamou a prática da cabala de “muito punk rock”. Em uma entrevista no programa Dateline, da rede de TV norte-americana NBC, ela explicou: “Para mim, ser punk rock é ter um pensamento libertador, pensar ‘do lado de fora da caixa’. E é isso o que a cabala representa”.
Apesar disso, Madonna se mostra bastante séria em relação ao cumprimento dos ideais tradicionais. No dia a dia, ela frequenta sinagogas, usa uma fita vermelha no pulso (símbolo da cabala moderna, que serviria para proteger da inveja e das energias negativas), além de não fazer shows aos sábados, por causa do Sabá judaico. Há alguns anos, declarou, também, estar pensando em adotar o nome hebraico Esther, que significa “estrela”.
Tanta dedicação, segundo ela, vem da busca por respostas e dos questionamentos metafísicos surgidos após o nascimento da primeira filha, Lourdes Maria, em 1997. Em entrevista com o apresentador americano Larry King, da CNN, Madonna contou que, nessa época, começou a praticar yoga e a se perguntar sobre o sentido de sua existência. “Eu sei que há mais na vida do que ganhar montes de dinheiro e ser bem-sucedido”, filosofou.
“É incrível pensar que existam leis no universo que regem a sua vida, e que conhecê-las te ajuda a transformar o mundo para melhor”, completou, mostrando que, mesmo que a linha seguida por ela não seja a mais tradicional, os objetivos práticos da superestrela se encaixam nos dos judeus mais conservadores.