Os Odùs foram criados por Olódùmarè (Deus Supremo), sendo a forma encontrada pelo divino para compartilhar sua sabedoria com os seres. Estudiosos afirmam que o nome Olódùmarè possui ligação com a palavra Odù, refletindo a ideia de que Ele é o grande criador dos Odùs.
- Texto • Awo Ifá Leké – Eduardo Henrique Costa
Chamamos de Ifá a sabedoria de Olódùmarè. Sempre que o Deus Supremo ou os Òrìṣà têm alguma dúvida, recorrem diretamente a Ifá — a própria sabedoria divina — para obter respostas e conhecimento, tanto no plano espiritual quanto no plano físico. Olódùmarè compartilhou Ifá com o Òrìṣà Orúnmìlá, que, por sua vez, transmitiu esse conhecimento às demais divindades e aos seres humanos. Assim teve origem sua religião.
O significado da palavra Odù é muitas vezes traduzido como “destino”, por estar relacionado aos caminhos da vida. Outros preferem associá-la a “signo”, em comparação com horóscopos e numerologia — algo comum, por exemplo, em Cuba. No entanto, ao trazermos o conceito para o português brasileiro, podemos dizer que Odù se refere a algo amplo, vasto, infinito. Cada Odù abriga diferentes energias, diversas possibilidades de caminhos a serem percorridos e múltiplas predestinações — boas ou ruins —, dependendo da posição em que se encontram os Odùs regentes de cada indivíduo.
Muitas pessoas, por não saberem lidar com seus Odùs ou por não seguirem as orientações recebidas por meio de Ifá, enfrentam diversos problemas. Quando os Odùs estão em estado negativo, alguns passam a acreditar que determinado Odù é ruim, mas isso não é verdade. Na tradição africana, não existe Odù ruim. Todos os Odùs são compostos de aspectos positivos e negativos, belos e desafiadores. O que determina o que vivenciaremos com mais frequência é a forma como conduzimos nossa vida e se estamos em equilíbrio com nossas energias. O lado negativo presente nos Odùs não significa que será vivenciado, mas serve como alerta sobre como agir para evitar determinadas predestinações.
Dentro de cada Odù transitam várias energias — é a morada de inúmeras possibilidades. Ter acesso ao Odù é ter acesso ao conhecimento e a informações capazes de esclarecer o que está acontecendo, como resolver certas questões e até mesmo revelar qual divindade rege aquela pessoa. É por meio dos Odùs que os Òrìṣà transmitem respostas ao sacerdote ou sacerdotisa sobre aquilo que Olódùmarè considera importante revelar. Ao consultar-se com frequência, é comum perceber que os Odùs revelados pelo oráculo podem se repetir ou mudar, pois tudo depende do momento e da situação específica do indivíduo.
Os Odùs revelados em consultas não são fixos e podem mudar constantemente, sendo o mesmo Odù em fase positiva ou negativa, ou até completamente diferente. No nascimento de uma pessoa, os Odùs revelam como os pais devem cuidar da criança e os cuidados necessários ao longo da vida. Já numa iniciação religiosa, os Odùs revelados indicam como será o caminho espiritual daquela pessoa. Para identificar os Odùs, é necessário consultar os oráculos.
Um erro comum é associar os Odùs à numerologia e ao esoterismo, acreditando que, somando os números da data de nascimento, é possível determinar os Odùs de uma pessoa ou de um local. Essa prática não é tradicional. Existem vários horóscopos — chinês, maia, grego (um dos mais utilizados), mas na cultura iorubá temos a nossa própria forma de seguimento não necessitando se basear em outros. Por isso, é incorreto tentar identificar Odùs com base apenas em uma somatória numérica. Os Odùs são mais complexos e exigem uma apuração espiritual que leve em conta as energias do momento presente.

Na religião tradicional iorubá existem diversos tipos de oráculos, como os obis, orogbo, Òrìṣà Pepe, entre outros. No entanto, não devemos presumir que todos revelam ou trabalham com Odùs. Existem três oráculos que utilizam Odùs: o jogo de Òpèlè Ifá (também conhecido como “rosário de Ifá”), o jogo de dezesseis búzios (Mérìndilogún) e o uso dos Ikins Ifá.
É importante destacar que os Odùs obtidos no jogo de búzios não são os mesmos dos outros dois oráculos mencionados. Apesar de alguns nomes poderem coincidir, seus versos, interpretações, histórias e procedimentos são completamente diferentes.

Em cada Odù encontramos reflexões e histórias valiosas que nos orientam nas decisões. Vejamos um exemplo:
O Odù Ogbe Irete aborda o tema da lealdade. Segundo este Odù, Orúnmìlá tinha dúvidas sobre a amizade e a lealdade dos demais Òrìṣà. Para testar isso, pediu a seus filhos que anunciassem falsamente pela cidade que ele havia morrido. Eles visitaram a casa de todos os Òrìṣà para comunicar o falecimento do Grande Adivinho. As reações, porém, revelaram indiferença.
Restava apenas visitar Èsù. Ao receber a notícia, Èsù demonstrou profunda tristeza, pois considerava Orúnmìlá um grande amigo e era grato por toda a ajuda recebida. Ele nunca havia raspado a cabeça, mas, como tributo, pediu aos discípulos que o fizessem.
Os filhos de Orúnmìlá correram para contar o ocorrido ao pai. Este, então, pediu que fossem imediatamente à casa de Èsù para interromper a raspagem, explicando que não estava morto e que aquilo era apenas um teste de lealdade. Mas, quando chegaram, a cabeça de Èsù já estava quase totalmente raspada.
A partir daquele dia, Orúnmìlá decidiu não manter amizade com os outros Òrìṣà e ser amigo apenas de Èsù, o único que demonstrou verdadeira lealdade.
“A lealdade verdadeira não se mede em palavras, mas nos gestos que estamos dispostos a fazer, mesmo quando ninguém está olhando e nada nos é pedido.”