Essa é uma dúvida frequente entre aqueles que começam a conhecer a religião yorùbá. Antes de esclarecer, é necessário compreender que o objetivo deste texto não é tratar de Kimbanda, Candomblé ou outras vertentes brasileiras, mas sim apresentar como se dá a questão no Culto Ìṣẹ̀ṣe Làgbà.
Diferenciação necessária
Durante o período de fevereiro e março, em meio a sambas-enredo, desfiles de Carnaval e diversas exposições das religiões de matriz afro-brasileira, é comum encontrarmos vários nomes de Exús. Em algumas tradições, utilizam-se nomes como “Tranca-Rua”, “Marabô”, “Pombagira” para se referir a entidades. No entanto, esses seres não são Òrìṣà, mas sim construções específicas de certas práticas no Brasil, relacionadas ao uso do termo oriundo do yorùbá.
Já no caso do Òrìṣà Èṣù, ele é único. Criado pelo próprio Olódùmarè (Ser Supremo), tem como missão:
Ser mensageiro entre os Òrìṣà e Olódùmarè;
Supervisionar e transportar os ẹbọ, verificando se foram realizados corretamente;
Fiscalizar o universo (sendo chamado, em algumas poesias, de Latopa);
Observar todos os acontecimentos dentro da tradição, sobretudo os atos de sacerdotes e sacerdotisas, analisando se utilizam sua posição de forma indevida para obter vantagens financeiras, emocionais ou mesmo sexuais;
Estar sempre próximo às pessoas, testemunhando tudo que ocorre.
Um só Òrìṣà, vários nomes
Embora seja apenas um, Èṣù recebe em cada região ou família diferentes oríkì e ìtàn, o que resulta em nomes variados de louvor, como:
Èṣù Ẹlẹ́gbára
Èṣù Ọ̀dàrà
Èṣù Làálú
Esses nomes refletem variações de fundamentos, não a existência de vários Òrìṣà.
Iniciação em Èṣù
Uma pessoa pode ser iniciada em Èṣù Alájé, Èṣù Ẹlẹ́gbára ou outro?
A resposta é não. Tradicionalmente, na Ẹ̀sìn Òrìṣà Ìbílẹ̀, a iniciação é feita no Òrìṣà Èṣù primordial. O iniciado passa a receber o àṣẹ desse Òrìṣà, dentro da ancestralidade e da linhagem em que se realiza o processo.
A iniciação é sempre uma tríplice união:
1. No Ser Espiritual,
2. No clã ao qual o iniciado passa a pertencer,
3. Na tradição religiosa.
Assim, quando alguém muda de família religiosa, muitas vezes reinicia seu processo, pois cada linhagem possui fundamentos e ritos próprios. Isso não é um erro, mas a consequência do caráter tribal e clânico do culto aos Òrìṣà.
O verdadeiro objetivo da iniciação é aproximar a pessoa de sua essência divina, afastando-a da natureza puramente animal. Infelizmente, muitos buscam a iniciação por status, aparência ou bens materiais, desviando-se do princípio espiritual.
O papel de Èṣù no iniciado
Ao ser iniciado em Èṣù, a pessoa recebe uma força espiritual grandiosa que pode trazer valores como organização, paciência, disciplina, lealdade e respeito. Contudo, se o iniciado agir contra as leis universais de Olódùmarè, estará sob fiscalização de Èṣù, que mostrará a necessidade de correção. Muitos, entretanto, preferem culpar sacerdotes ou Òrìṣà em vez de reconhecer suas falhas.
Assentamentos de Èṣù
Os diferentes assentamentos não significam múltiplos Òrìṣà, mas sim formas específicas de culto ou de trabalho espiritual. Exemplos:
Èṣù Awure: voltado à boa sorte e abertura de caminhos;
Èṣù Ijá: protetor contra inimigos e ataques ocultos.
Ainda que os fundamentos variem, todos remetem ao mesmo Èṣù.
No caso de Èṣù Àkesán, por exemplo, trata-se de um culto existente em Oyo, onde há uma feira chamada Àkesán. O nome vem da localidade, mas não faz sentido uma pessoa de outro lugar querer “ser iniciada” especificamente em Èṣù Àkesán sem vínculo com esse contexto. Todo Èṣù já está relacionado ao comércio, às trocas e à comunicação.
O mesmo ocorre com Èṣù ligado à encruzilhada (Ikorita méta). Todo Èṣù já possui essa ligação, independentemente de nomeações específicas.
Considerações finais
Èṣù é único, ainda que receba múltiplos nomes e formas de assentamento. A multiplicidade está na prática ritual e na adaptação às necessidades humanas, não na essência do Òrìṣà.
Na medicina religiosa yorùbá, há magias envolvendo cabaças, mas não se precisa ser “iniciado” em um Èṣù específico para utilizá-las. O mesmo vale para Èṣù Epó (ligado ao dendê): todo Èṣù já abarca esse elemento.
O que existe, portanto, é a variedade de assentamentos conforme finalidades específicas — prosperidade, proteção, ataque, atração — sem que isso multiplique o Òrìṣà em si.
Na Cultura de Ifá, por exemplo, há o Odù Ósètùrá, intimamente relacionado a Èṣù por também ser mensageiro. Um Ìtàn relata até que Èṣù teria reencarnado através de Ọ̀ṣun sob o nome de Ósètùrá.
Assim, reafirma-se: Èṣù é um só.
