domingo, novembro 23, 2025
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Pais denunciam professora por intolerância religiosa contra criança de 5 anos em escola do Rio

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Rio de Janeiro — A família de uma criança de 5 anos acusa uma professora do Espaço de Desenvolvimento Infantil Professor Celso de Almeida Chaves, na Zona Oeste do Rio, de praticar intolerância religiosa dentro da sala de aula. O episódio ocorreu após a menina presentear a docente com uma flor amarela, explicando que a oferta era dedicada a Oxum, divindade das religiões de matriz africana. Segundo os pais, a professora, que se identifica como evangélica, teria respondido dizendo que “aquela flor vinha do diabo”.

O pai da criança, Alexsandro Viana de Assunção, afirma que a família só foi chamada para conversar 16 dias após o ocorrido, quando a menina já demonstrava medo de retornar à unidade escolar. A ocorrência foi registrada na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) como injúria por preconceito. A Polícia Civil informou que a professora será ouvida, e o Conselho Tutelar também abriu procedimento para apurar o caso.

A Secretaria Municipal de Educação comunicou que a docente responderá a uma sindicância administrativa. A mãe da criança foi convidada para uma reunião com uma equipe interdisciplinar. A pasta destacou ainda a criação, em 2021, da Gerência de Relações Étnico-Raciais, destinada a implementar políticas de enfrentamento ao racismo e à intolerância religiosa, além de promover a valorização das culturas afro-brasileira e indígena.

Segundo os pais, em entrevista ao portal G1, a menina passou a rejeitar a escola após a situação, demonstrando insegurança e sentimento de abandono por parte das autoridades responsáveis por garantir seu direito constitucional à liberdade de crença.

 

Intolerância religiosa no Brasil: um problema estrutural

Especialistas apontam que episódios como esse não são isolados. Dados do Ministério dos Direitos Humanos mostram que as denúncias de intolerância religiosa cresceram 475% entre 2015 e 2023. A maior parte das vítimas são praticantes de religiões de matriz africana.

Para a antropóloga Prof.ª Dr.ª Vívian Rocha, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o aumento não significa necessariamente mais casos, mas maior visibilidade:

“A intolerância contra religiões afro-brasileiras é histórica. Ela nasce da demonização das culturas negras desde o período colonial. Quando uma criança oferece uma flor e é associada ao mal, o que vemos é a reprodução de um racismo religioso estrutural”, afirma.

 

O professor de Direito Constitucional Dr. Maurício Silva, da UFRJ, complementa:

“O Estado é laico e a escola é um dos principais espaços para garantir a pluralidade religiosa. Qualquer servidor público que demonize a fé de outra pessoa, especialmente de uma criança, viola o princípio da dignidade humana”.

 

O significado da flor e o apagamento cultural

A flor amarela é um símbolo associado a Oxum, orixá yorùbá ligada às águas doces, ao amor, à fertilidade, à beleza e à prosperidade. No Brasil, essa divindade tornou-se central em cultos como o Candomblé e a Umbanda. As tradições africanas não incluem a figura do “diabo”, nem concebem um ser maligno em oposição ao Criador, como ocorre em vertentes cristãs.

Para estudiosos das religiões afro-brasileiras, associar Oxum ao diabo reforça um processo de estigmatização que atravessa séculos. Segundo o historiador Dr. Felipe Nogueira, da UERJ:

“Quando se demoniza um orixá, não se está apenas rejeitando uma crença, mas negando a legitimidade de toda uma herança cultural africana que sobreviveu à escravidão e ao racismo”.

 

Minha opinião e reflexão ao leitor

Uma professora não é obrigada a aceitar o presente pela criança — poderia, inclusive, depois de recebido, descartar a flor de forma respeitosa. O que ela não tem o direito de fazer é ofender uma crença — e muito menos traumatizar uma criança — reproduzindo preconceitos que ferem a dignidade humana.

Crianças expressam afeto por meio de pequenos gestos: desenhos, flores, bilhetes. Nesse caso, a menina tentava demonstrar carinho. E surge a pergunta:
Se a criança tivesse dito que a flor era dedicada a uma divindade branca da mitologia grega, a professora teria dito que “era do diabo”?

Essa comparação revela o que muitos pesquisadores definem como racismo religioso — uma forma de preconceito que não é apenas contra a crença, mas contra o corpo e a história de quem a pratica.

O caso expõe uma questão urgente: como uma sociedade que se declara plural ainda permite que crianças negras ou de religiões afro-brasileiras tenham medo de expressar sua fé? E, principalmente: o que estamos fazendo para garantir que as escolas sejam espaços seguros para todas as identidades?

A reflexão que fica ao leitor é simples, mas profunda:
quando uma criança é silenciada por causa da sua cultura, toda a sociedade perde.

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