sábado, dezembro 21, 2024
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SIDDHARTA GAUTAMA: O PAI DO BUDISMO

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Ele abandonou palácios e riquezas e se lançou em uma jornada espiritual em busca das razões do sofrimento humano. Nesse processo, fez nascer uma das mais belas doutrinas religiosas do mundo. Conheça a vida e as lições de Siddharta Gautama

Texto •  Geisa D’avo

Imagem: Freepik.

Siddharta Gautama, o personagem principal da história que será narrada a seguir, viveu há mais de 2.600 anos, no reino de Shakya, na Índia. Naquele tempo, a sociedade indiana já era dividida em diferentes classes ou castas, cada qual delimitada de acordo com o poder de seus integrantes – enquanto os filósofos e sacerdotes brâmanes podiam desfrutar da prosperidade, sudras e párias sofriam com a fome, a pobreza, a escravidão e o preconceito.

Nesse sombrio e desigual panorama, Gautama nasceu como príncipe, e poderia ter vivido como tal até o fim da vida, não fosse por um pequeno – mas fatídico – detalhe: certo dia, ele foi acometido pelo inquietante e profundo desejo de descobrir a razão do sofrimento humano, e o remédio para acabar com ele.

Presságios e proteção

“Conta a lenda que, quando Siddharta nasceu, um velho sábio saiu da montanha em que vivia meditando apenas para vê-lo, porque tinha tido uma visão de que nasceria um grande líder. Ao olhar para a criança, o sábio confirmou: o recém-nascido seria um grande rei, porém espiritual. Aquilo deixou seu pai extremamente revoltado, afinal, se Siddharta se dedicasse à vida religiosa, certamente abandonaria o reino”, relata Fábio Takahashi, monge do templo budista japonês Honpa Hongwanj.

Para impedir que seu filho abrisse mão da condição de príncipe e deixasse seu reino à mercê dos povos vizinhos, o rei Suddhodana decidiu seguir as recomendações dadas pelo sábio. Mesmo com a morte da rainha Maya, ocorrida apenas uma semana após o nascimento de Siddharta, o rei proporcionou ao filho uma vida repleta de cuidados e alegrias, e fez de tudo para privá-lo de conhecer o sofrimento humano. Assim, durante anos, Siddharta conheceu apenas o luxo de seus palácios, onde era treinado para tornar-se um verdadeiro líder militar. Casou-se aos 16 anos e logo teve um filho, mas, ainda assim, via crescer a cada dia a vontade de compreender melhor a natureza humana.

Aos 29 anos, Siddharta não tinha ouvido falar muitas vezes sobre as tristezas da vida, até que se deparou com uma situação inusitada: em passeios nos arredores do palácio, encontrou um homem idoso, uma pessoa doente e um cadáver. Estes encontros, ao mesmo tempo em que o apresentaram ao sofrimento humano, o instigaram a procurar a causa de tanta dor. “Quando o príncipe Siddharta, sem querer, se deparou com a velhice, a doença e a morte, se sentiu mal com isso e passou a procurar respostas para entender porque o ser humano sofre. Sua primeira atitude foi explicar ao pai que, mesmo sem conhecer o sofrimento, queria entender o motivo dessas tristezas”,  conta Takahashi.

O instinto de Siddharta não era tão incomum entre os nobres daquela época. Enquanto uns tornavam-se grandes líderes militares, outros abriam mão de suas riquezas e de seu status social para viver na mendicância, pois acreditavam que dessa maneira atingiriam a iluminação completa. A prática, conhecida como ascetismo, atraiu o príncipe, que decidiu adotá-la para encontrar a verdade da vida, mesmo que para isso fosse necessário renunciar ao cotidiano repleto de regalias que tinha ao lado de sua família. “Ele precisava dessas respostas e foi procurá-las, por ele e por toda a humanidade”, afirma o monge.

O caminho do meio

Após alguma peregrinação, Siddharta juntou-se a um grupo de cinco brâmanes que praticavam o ascetismo rigoroso em uma vila localizada às margens do rio Nairanjanana. Lá, por seis anos, o príncipe desenvolveu técnicas avançadas de meditação e respiração e manteve uma dieta restrita ao mínimo necessário para a sobrevivência – condições que o levaram à automortificação.

Desgastado, e vendo seu organismo em estado de quase completa inanição, Siddharta percebeu que práticas tão austeras não surtiam o efeito que imaginava e sequer trariam a iluminação. “Após ter feito práticas ascéticas extremamente rigorosas, ele se deu conta de que tinha exagerado. Assim, teve a percepção do Caminho do Meio, ou seja, da sábia postura de se evitar os extremos”, explica Walter Morita, professor do Centro de Meditação Shambhala, de São Paulo.

Quando desistiu da vida completamente ascética, Gautama foi abandonado pelos outros ascetas que lhe acompanhavam. Mas, por outro lado, foi nesse momento em que lhe ocorreu a noção do Caminho do Meio, primeiro dos seus ensinamentos.

Segundo a lenda, um dia, Siddharta ouviu um pai ensinar ao filho como funcionavam as cordas de um instrumento musical. O homem explicava que cordas frouxas impediriam a reprodução do som; porém, quando apertadas demais, elas arrebentariam. Nesse momento, ele percebeu que o mesmo acontecia com a busca pela verdade – nem a vida mundana, nem a vida de provações seriam adequadas para atingir seu objetivo.

Por sete semanas, Gautama procurou estabelecer uma vida intermediária e permaneceu em estado de reflexão sobre coisas que, até então, estavam fora do alcance de sua compreensão. Esquivou-se ainda das tentações e, até mesmo, da possibilidade de retornar à vida de príncipe, porque já enxergava que as mudanças procuradas não viriam de fatores externos, mas de seu interior. Ao notar que havia desenvolvido a capacidade de elevar-se diante dos males que carregava, percebeu também que seu objetivo fora atingido. “Quando chegou à iluminação, ele estava em um estado de absorção meditativa profundo, em que há apenas a percepção direta da realidade”, afirma Morita.

A partir daquele momento, Siddharta compreendia a extensão da vida como algo ilimitado, seja no passado, no presente ou no futuro, e enxergava a harmonia entre o universo e sua própria existência. Assim, teve a certeza de ter encontrado a resposta que tanto procurava.

Era, sim, possível superar o sofrimento e viver uma vida feliz, mas para isso cabia a cada um libertar-se das ilusões mundanas e desenvolver a natureza iluminada, inata a todos. Transformava-se dessa maneira – por si mesmo e por meio do seu caminho – no Buda Shakyamuni, aquele que originaria o budismo e levaria seus ensinamentos para toda a humanidade.

Os passos de Buda

A condição de desperto trouxe a Buda um novo desafio. Desejava, agora, estender sua percepção a todos aqueles que conviviam com o sofrimento, independentemente de sua classe social ou estilo de vida. Porém, ele sabia que explicar o processo pelo qual havia passado poderia não ser suficiente para que todos o compreendessem.

Em sua concepção, as pessoas eram como flores que percorrem estágios distintos até desabrocharem por completo para sua verdadeira condição. Diante disso, decidiu retornar à vila onde havia praticado a automortificação para reencontrar os ascetas e tentar mostrar o caminho que descobrira.

Utilizando-se de compaixão, Shakyamuni conseguiu transmitir as verdades do Caminho do Meio aos antigos companheiros. Em seus sermões, falava ainda das Quatro Nobres Verdades (que delimitavam as origens do sofrimento humano) e do Caminho Óctuplo, no qual determinava de que maneira o sofrimento poderia se superado. Em seguida, com seus novos discípulos, Buda Shakyamuni iniciou sua peregrinação por toda a Índia, onde encontraria povos sedentos por mudanças e levaria seus conhecimentos por meio de diálogos. “Diz-se que Buda dava os ensinamentos espontaneamente de acordo com a capacidade dos ouvintes. Assim, durante os 40 anos após sua iluminação, ele teria dado ensinamentos cada vez mais elevados de acordo com a realização dos discípulos que o acompanhavam ou de acordo com público ao qual proferia seus sermões”, explica Morita.

Ao contrário do que pregavam os princípios brâmanes, Buda não fazia qualquer distinção entre seus discípulos, pois acreditava que todos os homens eram iguais. Por conta disso, foram incontáveis as vezes em que se viu ameaçado por representantes do bramanismo, que desejavam conter o avanço do budismo. Mas, com persistência e paciência, Shakyamuni teve suas palavras amplamente acolhidas por pessoas das mais diversas origens, atingindo inclusive inúmeros reis.

Por muitos anos, Buda Shakyamuni partiu em caravanas com seus discípulos para lugares variados, onde conquistava novos seguidores em busca da verdade da vida. Vivia de maneira simples, alimentava-se pouco, mas mantinha-se sempre disposto a falar com todos e mostrar-lhes a importância de persistir na procura pela iluminação. Aos 80 anos, acometido por uma doença, Shakyamuni faleceu e deixou a seus discípulos grande parte do seu conhecimento. “Ele mostrou que nós podemos nos iluminar e que não precisamos esperar a morte para começar este caminho. Podemos fazê-lo no dia-a-dia”, conclui o Monge Takahashi.

Os ensinamentos do mestre

Refletir sobre os ensinamentos de Buda Shakyamuni é o primeiro passo para a conquista de uma mente serena e um mundo de paz. Acompanhe alguns deles.

Consciência
“Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo.”


Sentimentos
“O ódio não cessa com ódio, mas apenas com amor. Essa é a regra eterna.”


Tempo
“Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre sua mente no momento presente.”


Verdade
“Não acredite em nada que não concorde com sua própria razão e seu próprio senso, nem mesmo em um ensinamento meu.”


Felicidade
“Se um homem fala ou age com o pensamento puro, a felicidade o acompanha como uma sombra que jamais o deixa.”

A verdadeira face de Buda Shakyamuni

No Ocidente, quando pensamos em Buda, é muito comum vir à mente a imagem de um sujeito careca, rechonchudo e simpático. Trata-se de uma figura iluminada, sem dúvida, mas que nada tem a ver com Siddharta Gautama – ela é, na verdade, a representação de Hotei, um monge budista chinês conhecido por cativar a todos com seu sorriso. Por sua vez, o verdadeiro Siddharta Gautama é magro, tem cabelos encaracolados, um semblante sereno e, na maioria de suas representação, aparece sentado sobre uma flor de lótus.

Somos todos Budas

Ao contrário do que muitos ocidentais imaginam, o termo Buda não significa Deus. Buda significa simplesmente “aquele que despertou” e é um título utilizado para designar o homem que conseguir atingir a iluminação em sua plenitude, assim como fez Buda Shakyamuni. Vale lembrar que, na visão budista, todos os seres podem chegar a esse estágio, ou seja, todos nós temos potencial para nos tornarmos um “Buda” – mesmo que isso leve muito tempo, e até mesmo muitas encarnações, para acontecer. Segundo Shakyamuni, que foi apenas o primeiro de todos os Budas, “o destino de todas as almas é a iluminação”.

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