Quando as briguinhas do dia a dia começam a desgastar um relacionamento, uma simples mudança de olhar pode ser o princípio de uma profunda e edificante mudança.
Texto • Rossane Costa / Triada.com.br
A questão que dá título a este artigo foi trazida por uma amiga, quando nos encontramos em suas férias. Férias do marido, da vida, dos projetos profissionais, e segundo ela, da própria existência. Parte de tudo que mais a entristecia, vinha do casamento. Parte de tudo que mais a alegrava também.
“Ele não me ouve”, “ele não se interessa pelos meus problemas”, ele, ele, milhões de “ele” na conversa. Sem mencionar os clássicos de eterna discussão, como a pasta de dente aberta ou o lixo que, mais uma vez, “ele” nunca levava para fora. Eu poderia adivinhar as reclamações dele em relação a ela: “ela tem humores saltitantes”, “conversas intermináveis”, ela, ela, ela… E as clássicas reclamações masculinas, como a calcinha secando no box…
Quanta energia nós gastamos apenas para demonstrar que temos razão, independentemente de tê-la ou não. Não que isto esteja completamente errado. Não se trata de abolir a razão e buscar a felicidade por meio da aprovação do outro a qualquer custo. Também não tem nada a ver com deixar de expressar as opiniões. Atitudes como estas poderiam acarretar muitas injustiças. Trata-se de avaliar quando realmente é necessário argumentar pela razão e quando isso é apenas uma perda de energia desnecessária, que compromete nosso bem-estar.
Casamento de ideias
Por que, afinal, buscamos o casamento? Porque queremos ser amados, ser aceitos, viver a grande experiência de amar. Atraídos por esta ideia, saímos à caça. E sem nenhuma preparação, arrumamos um ser humano para chamar de benhê, queridão, fazer uns dois, três filhos, e desempenhar o papel de cônjuge dedicado, com as tarefas cumpridas, os filhos gordos e rosados, casa limpa, lasanha no domingo, peru no Natal… E, assim, passarmos a vida, reclamando na cozinha, de tudo o que o benhê não é e, se olharmos bem de perto, jamais foi.
O casamento tornou-se uma lista interminável de tarefas que o outro não realiza. Cada um tem a sua. E para cada item da lista, uma explicação comovente sobre a infelicidade provocada pela tampa da pasta de dente aberta ou pela calcinha no box… Isto é bem mais comum do que se pensa e acontece no casamento de gente muito mais legal ou descolada do que eu ou você. Ou seja, caímos todos na mesma rede: casamentos biológicos, como nossos pais, nossos avós e bisavós.
O que há, então, para ser vivido que não nos contaram? Se o casamento nos oferece a grande chance de aprendermos a amar e a compartilhar, como é que o meu estado de alma mais sutil se altera tão rapidamente ao passar pela tampa do vaso sanitário aberta? Com o que estou me conectando? E mais do que tudo isso, o que é o amor, afinal?
As respostas não são tão simples, mas existem algumas pistas esclarecedoras. Vale a pena pensar, por exemplo, que o amor não é uma propriedade a ser guardada, mas uma fragrância a ser compartilhada. Segundo o mestre espiritual, pensador e esotérico greco-armênio Georgii Ivanovitch Gurdjieff (1877–1949): “tudo o que guardei, perdi. E tudo que eu dei, é meu e ainda está comigo”.
Outra pista nos é fornecida pelo guru Osho, um dos mais influentes líderes espirituais do século 20: “compartilhar é uma das maiores virtudes espirituais.” E para compartilhar dentro do casamento, é preciso tornar-se “nada”. Quando você começa a achar que é alguém, fica iludido consigo mesmo, e o amor não flui mais. O amor só flui de alguém que é ninguém. O amor habita somente no nada. Quando você está vazio, há amor. Esse é o significado de ser humilde.
O amor torna-o ninguém, o amor tira-o do seu chão, o amor destrói seu ego completamente e lhe dá uma nova vida: humilde, simples, uma vida na qual Deus pode atravessar e a música do amor fluir através de vocês.
A vida é assim. Não mude de casamento, mude seu olhar sobre ele. “Seu amado é apenas uma ponte para você viver a maior experiência: o amor por toda a existência. Deixe seu anseio profundo ser uma busca pelo seu próprio ser interior. Lá o encontro com você mesmo já está acontecendo.” Mude o foco: do benhê para o amor, para o que há entre vocês. A diferença está na perspectiva escolhida e não no objeto examinado.
Eu tenho uma mestre que, ao presenciar uma discussão, sempre diz: “Vocês dois estão certos.” Então, só nos resta mesmo ser felizes.